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segunda-feira, 4 de novembro de 2019

POR: SEBASTIÃO DIÓGENES - Visita ao Cemitério

Dr. Sebastião Diógenes

                                         VISITA AO CEMITÉRIO
            Acabo de chegar do cemitério, onde estão sepultados os meus pais. Após as orações a eles dedicadas, corro a vista ao redor. Hábito antigo! Leio alguns nomes escritos nas campas, e as suas duas datas. Muitos nomes conhecidos. Um deles é o de um cidadão que fora meu paciente. Comparecia ao consultório sempre acompanhado da mulher. Era um casal amoroso, a despeito da diferença de idade. Eles tinham uma filhinha que lhe operei as adenoides.
            Faz 15 anos que visito a sepultura de meu pai no dia consagrado aos finados. E ao lado, sempre estava a cova do amigo decorada com flores naturais. Era uma obra de arte. Havia uma fileira de flores emoldurando a sepultura, dois corações entrelaçados ao centro, e as velas votivas acesas. Gostava de contemplar aquela simbologia da saudade e do amor. Para mim, era a confirmação do amor da jovem viúva ao velho marido falecido.
            Hoje, algo me chamou a atenção. Por isso, estou a escrever. Atrevo-me a dizer que tive uma inesperada decepção! A cova, em apreço, encontrava-se em estado de abandono, jamais observado por mim. Contava apenas com a grama verde, bem cuidada por obra dos funcionários do cemitério.
            O que teria acontecido com o amor da viúva? Ocorreu-me uma sensação benfazeja que nada havia acontecido com o seu genuíno amor. Não seria justo achar que a falha de apenas um ano negaria os zelos dos 14 anos anteriores.
            Então, o que teria acontecido com a viúva? Falecimento? Não, pois, não constava o nome dela na campa. Viagem? Pouco provável, ela jamais viajaria nesse período. Doença? É possível, uma vez que no Ceará ninguém está livre de dengue. E dengue dá uma falta de coragem!... Casamento? É provável, em se tratando de mulher jovem, bonita e rica. Com tais atributos, ela não teria dificuldades de contrair um segundo matrimônio, uma vez liberado o coração. Mas, o casamento justificaria o abandono à cova do finado? Justificaria, sim, no caso de um marido ciumento, que tivesse ciúmes até de cova.
            Há pessoas que preferem a cremação à sepultura, por várias alegações razoáveis. Uma delas é a liberação dos familiares às visitações sepulcrais. Eu prefiro a inumação, mesmo que o sepulcro corra o risco do abandono.
            Tive pena do finado. Liguei para o Dr. Anchieta e conversei a respeito. Ele me disse que eu estava com pena antecipada de mim mesmo. Discordei. Por isso, não confio em psiquiatra. Só faço consulta por telefone.

Sebastião Diógenes
02-11-2019.
           

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