Dr. Sebastião Diógenes |
VISITA AO CEMITÉRIO
Acabo
de chegar do cemitério, onde estão sepultados os meus pais. Após as orações a
eles dedicadas, corro a vista ao redor. Hábito antigo! Leio alguns nomes
escritos nas campas, e as suas duas datas. Muitos nomes conhecidos. Um deles é
o de um cidadão que fora meu paciente. Comparecia ao consultório sempre
acompanhado da mulher. Era um casal amoroso, a despeito da diferença de idade.
Eles tinham uma filhinha que lhe operei as adenoides.
Faz 15 anos que visito a sepultura de meu pai no dia
consagrado aos finados. E ao lado, sempre estava a cova do amigo decorada com
flores naturais. Era uma obra de arte. Havia uma fileira de flores emoldurando
a sepultura, dois corações entrelaçados ao centro, e as velas votivas acesas.
Gostava de contemplar aquela simbologia da saudade e do amor. Para mim, era a
confirmação do amor da jovem viúva ao velho marido falecido.
Hoje, algo me chamou a atenção. Por isso, estou a
escrever. Atrevo-me a dizer que tive uma inesperada decepção! A cova, em apreço,
encontrava-se em estado de abandono, jamais observado por mim. Contava apenas
com a grama verde, bem cuidada por obra dos funcionários do cemitério.
O que teria acontecido com o amor da viúva? Ocorreu-me
uma sensação benfazeja que nada havia acontecido com o seu genuíno amor. Não
seria justo achar que a falha de apenas um ano negaria os zelos dos 14 anos
anteriores.
Então, o que teria acontecido com a viúva? Falecimento?
Não, pois, não constava o nome dela na campa. Viagem? Pouco provável, ela
jamais viajaria nesse período. Doença? É possível, uma vez que no Ceará ninguém
está livre de dengue. E dengue dá uma falta de coragem!... Casamento? É
provável, em se tratando de mulher jovem, bonita e rica. Com tais atributos,
ela não teria dificuldades de contrair um segundo matrimônio, uma vez liberado
o coração. Mas, o casamento justificaria o abandono à cova do finado?
Justificaria, sim, no caso de um marido ciumento, que tivesse ciúmes até de
cova.
Há pessoas que preferem a cremação à sepultura, por
várias alegações razoáveis. Uma delas é a liberação dos familiares às
visitações sepulcrais. Eu prefiro a inumação, mesmo que o sepulcro corra o
risco do abandono.
Tive pena do finado. Liguei para o Dr. Anchieta e
conversei a respeito. Ele me disse que eu estava com pena antecipada de mim
mesmo. Discordei. Por isso, não confio em psiquiatra. Só faço consulta por
telefone.
Sebastião Diógenes
02-11-2019.
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