Estória com final feliz
Para
o amigo Dr. Luiz Porto
Ela
submeteu-se a mastectomia radical com esvaziamento axilar. O câncer estava
avançado, e teve de fazer quimioterapia. Passou meses com o cateter na
subclávia, aquele incômodo necessário! Felizmente não havia metástases à
distância, e a enfermidade foi controlada.
Ainda
deprimida com a doença que lhe sacrificara a mama, ela sofreu outro golpe, esse
abominável porque covarde e desumano. Havia seis meses da cirurgia e o marido a
surpreendeu em sua nudez, enquanto se vestia. Dessa maneira, viu, pela vez
primeira, na intimidade do lar, a mulher mutilada. Aproximou-se da mãe de seus
filhos e sem nenhuma consideração desferiu, com a voz repulsiva dos hedonistas,
a frase que selaria o destino de suas vidas.
- Não gostei do que vi!
- E eu do que ouvi! – respondeu a briosa
senhora com altivez, que só Deus sabe como a paciente tanto fragilizada havia
conseguido preservar o sentimento de nobreza.
Foi o último
diálogo entre o casal.
Após meses
de sofrimento, ela renasceu para a vida. A ferida do corpo fora reparada pela
cirurgia plástica. Ainda tem gente que diz que o médico não tem parte com o
Salvador! A da alma, a dolorosa chaga invisível, havia sido curada com o amor
de Rôla, o namorado no tempo de adolescentes, cujo patronímico do rapaz fora a
pedra de tropeço no caminho do altar.
Ignorância do
velho Zamor, pai da moça. Confidenciava aos amigos que não suportaria acolher
ave com o significado ordinário do vulgo linguajar, em firmas de sua
descendência. Foi essa rudeza de raciocínio que contrariou o matrimônio da
filha com o jovem de respeitável genealogia.
O tempo,
contudo, faz as pessoas mudarem os conceitos, geralmente para melhor. Isso, por
ventura, aconteceu com o velho Zamor. Com a sua bênção, a filha revivificada
casou-se com Rôla em uma festiva cerimônia cristã. As bodas foram celebradas no
conchego do sítio Cacimba da Onça, bem ali, perto da cidade Vozão.
Enquanto desfrutava
do vinho, o patriarca fazia graça ao microfone, e declarou que muito lhe
contentaria ver mais um neto na família Zamor.
- Desta vez, minha gente, um Rôla, com
licença da palavra! – completou o orador, cioso com a maneira de falar.
Todos riram da fraqueza do macróbio
arrependido. Somente ele não se dava conta que a estação fecunda já havia
passado.
Sebastião Diógenes
04 de agosto de 2016.
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