Dr. Edgar Steffen - Médico Pediatra e Escritor |
Salve Lauro (sem o Jorge)!
Tivemos grandes oportunidades de juntos chorarmos alegrias e vicissitudes em nossa longa existência. Choramos mais de alegria que das tristezas.
Notícia publicada na edição de
08/06/13 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A
E Deus limpará de seus olhos toda lágrima; e não
haverá mais morte nem pranto...(Apocalipse. 21:4)
** Edgard Steffen
Escrevo porque virei sorocabano graças a você. Escrevo porque, quando me
pediram que o saudasse, recusei. Não tinha direito de fazê-lo, mas
recusei. Temi que a emoção embaralhasse o raciocínio e lágrimas me
turvassem a vista.
Tivemos grandes oportunidades de juntos chorarmos alegrias e vicissitudes em nossa longa existência. Choramos mais de alegria que das tristezas. Ríamos quando arreliávamos mamãe fingindo querer ela definisse qual de nós era o filho predileto. Eu, o caçula, ou você, o pseudofrágil? Sabiamente Dona Augusta esboçava um riso e nada dizia. Lembra-se? Nossa brincadeira repetiu-se sempre que nos encontrávamos naqueles saborosos ágapes na Indaiatuba de todos nós. Éramos quatro irmãos em meio a sete mulheres.
Mamãe chorou muito quando você foi para o Exército. Não se conformava com o filho doentio (a visão materna enxerga coisas que não existem) enfrentando a friagem nas madrugadas da gurita sentinela. Gilberto, primogênito forte e aventureiro, foi herói na Revolução de 32. Mas não era tão organizado nem se vestia tão bem quanto você. Oscar, compleição robusta, atleta campeão do regimento, era mais alto, mas não dançava o tango tão bem quanto você. Quando você se apresentou ao Regimento Deodoro, o físico longilíneo astênico decepcionou oficiais que esperavam novo campeão. O magro recruta sequer sabia nadar. Acabou campeão. Em vez da força, usou da inteligência e, rapidamente, tornou-se instrutor dos cálculos de artilharia.
Essa inteligência o fez bem sucedido nas finanças. Era adolescente quase imberbe, quando papai lhe deu cinco mil reis e o colocou num trem. Fosse ganhar a própria vida. Honestidade e inteligência o fizeram galgar posições, a partir de modestos empregos. Andou por agências bancárias do interior do Estado. Em Jaú, encontrou Marília, sua bela companheira. Ali nasceriam a primogênita professora Zilda Maria, e a caçula odontóloga Maria "Bia" Elvira. Em Sorocaba aonde viera como sub-contador da recém-criada agência do Banco do Estado nasceria Ana Célia, bioquímica pesquisadora aposentada do IAL.
Coragem e honestidade o ajudaram a alcançar a chefia do departamento de crédito de um dos maiores bancos do País. Levou tempo, mas você chegou lá. Falo em coragem porque, numa das cidades, foi ameaçado por "autoridades" políticas que pleiteavam financiamento em desacordo com as garantias exigidas pelo Banco. Chegaram a detê-lo, mas você não cedeu. O dever de zelar pelo bem público foi maior que a pressão daqueles que o queriam utilizar para avançar sobre ele.
Na fria e chuvosa manhã de maio, seu coração estava quase parando (43 bat/min). Sua voz, pouco inteligível, recusou chamassem médico. Pedia minha presença. Corri a São Paulo. Até pareceu milagre encontrei-o recuperado. Pudemos conversar e choramos feito bezerros desmamados ao lembrar emoções vividas e curtidas. Lembramos que durante muitos anos eu escrevia cartas endereçadas a Lauro Jorge Steffen. O nome correto era simplesmente Lauro.*
Contou nosso chororô a todos que cuidavam ou visitavam você. Quando voltei a revê-lo, nenhuma interação. Quando a cuidadora saudou-o com o efusivo "Seu Lauro, bom-dia!" não mais ouviu a indefectível resposta "Como vai sua tia!". Percebeu que você havia piorado. Pois é, mano Lauro (sem o Jorge), você não mais chorará conosco. Lúcia, Dolores e eu choraremos sozinhos. Segundo promessa transcrita no Apocalipse de João, você terá enxugadas suas lágrimas.
Lauro Steffen (1917-2013)
Requiescat in pace
(*) Luteranos antigos costumavam acrescentar, ao prenome, o nome do padrinho. O padrinho era nosso tio-avô Jorge.
Ao Dr. Edgard Steffen
ResponderExcluirCaro amigo e colega do antigo Departamento Estadual da Criança de S.Paulo: sou homem suficiente para lhe confessar que derramei copiosas lágrimas ao ler este seu texto. Parabéns por sua sensibilidade amorosa à família, que realmente está acima de todo o relacionamento social. Um grande abraço, William Moffitt Harris, pediatra sanitarista,sobramista cearense de Campinas-SP.
Prezado Dr. Edgard,
ResponderExcluirFiz a gentileza de postar um comentário que Dr. William Harris fez a propósito de seu artigo, mas não obteve sucesso. Daí meu nome aparecer como advindo de mim. Confesso, igualmente, que me emocionei com seu relato. Lamento o que motivou sua crônica, mas o parabenizo pelo texto.