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quarta-feira, 1 de abril de 2020

POR ALCINET ROCHA: DORA E O PRANTO DE DEUS


*A chuva num véu
de choro, escorre do céu
     E doa vida ao chão*

DORA E O PRANTO DE DEUS

O som da chuva ontem a tilintar
Por minha janela de risonha abertura
Deixou-me a alma em névoa esvoaçar
E o coração gotejante de alvura

Fiel, a cadelinha macia e doce
-DORA- da cor de veludo dourado
Em matutino hábito me trouxe
Seu sempre puro amor silenciado

Ergueu-me o olhar astuto, reluzente
Reclamando do regaço, acolhimento
E, juntas, sorvendo a água bendizente
Gratulamos Deus!!
-Pelo gosto do seu pranto ser de alento.

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (13º dia)


Diário de uma quarentena (13º dia)
Dia da mentira em tempo de coronavírus
Por Arruda Bastos

Acho que estou mesmo ficando bipolar. No dia de ontem, o mantra era Armagedom, mote tenebroso que remete à última batalha do final dos tempos. Acho até que, pelos comentários dos meus leitores, deixei muita gente preocupada. No dia de hoje, para compensar e provar que a quarentena está me deixando meio “tam tam”, vou tratar do dia da mentira.

Quando criança, recordo de mirabolantes mentiras sem pé nem cabeça que eram contadas e acreditadas por muitos incautos. Era comum, na época, pregarmos peças nos irmãos e amigos. A data não passava em branco e era levada a sério pelos pequenos. Atualmente, infelizmente, vejo mais adultos do que crianças mentindo, e o tempo todo.

Pinóquio é um dos personagens mais conhecidos da literatura infantil. A história fala de um boneco de madeira que ganha vida. Ela foi escrita em meados do século XIX, por Carlo Collodi, e traduzida para o mundo inteiro ganhando uma série de adaptações.

Na história infantil, cada vez que Pinóquio mentia, o seu nariz crescia. A finalidade do autor era alertar as crianças, pois esse impulso de mentir acomete especialmente os pequeninos entre os quatro e cinco anos de idade.  Ao ler a narrativa, a criança percebe que a mentira tem perna curta e, mais cedo ou mais tarde, a verdade sempre aparece.

No humor brasileiro, encontramos um personagem de Chico Anísio que encarnava o mentiroso contumaz. Ele era o Pantaleão e aparecia nas cenas sempre sentado, conversando com um convidado, e contando lorota.  Ao lado dele, sua fiel mulher de nome Terta.  Pantaleão, depois de mentir, perguntava “é mentira, Terta?”, e ela respondia “verdade”.

No Ceará, de 1904 a 1920, na Praça do Ferreira, debaixo de um cajueiro, acontecia sempre uma tradicional festa popular intitulada “Festival de Mentiras”, realizada, é claro, no dia 1º de Abril. Da festa participavam intelectuais, artistas e até bebuns. Todo tipo de mentira era permitida, de preferência as mais provocantes à sociedade e ao poder constituído.

Tem um ditado que diz: A mentira tem perna curta, mas quem nunca contou uma historinha inventada quando criança que atire a primeira pedra. O problema acontece quando o camarada passa a desembestar uma mentira atrás da outra, fica viciado e não sabe mais parar.

Não tenho duvida que, em breve, o dia da mentira se transformará no da fakenews. E, embora meus escritos não tratem de política no Brasil, atualmente temos um alto mandatário que é hors concours. Não vou dizer quem é, mas para testar a aceitação das minhas crônicas da quarentena, peço que coloquem o nome dele nos comentários.

Como contribuição da minha querida filha Lilia, incorporo à minha crônica as seguintes observações: Outra possibilidade para o futuro é ser instituído o dia da verdade, que será um dia excepcional em que não veremos as famigeradas fakenews na quantidade que são dissipadas atualmente. Às vezes, tenho a impressão que “dia da mentira” tem sido todo dia, com tanta lorota que se compartilha sem a menor cerimônia.

Para terminar, nesse dia da mentira eu queria inventar uma para vocês, dizer que a pandemia acabou, mas, no momento, estou muito ocupado aqui em Dubai  polindo uma das minhas Ferraris.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 13. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE).

terça-feira, 31 de março de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (12º dia)


Por Arruda Bastos
Diário de uma quarentena (12º dia)
Armagedom

Na manhã de hoje, 31 de março de 2020, acordei com uma palavra martelando na minha cabeça e colada tipo chiclete. Acho que o programa “Roda Viva” de ontem da TV Cultura em que o entrevistado foi o biólogo, pesquisador e comunicador científico, Atila Iamarino, foi o responsável por isso. 

A entrevista foi excelente, esclarecedora e bem conduzida pela jornalista e apresentadora Vera Magalhães. As perguntas muito pertinentes e as respostas de uma clareza técnica irrefutável. O programa teve o seu tempo prorrogado por vários minutos graças à audiência e à participação de telespectadores nas redes sociais. 

Depois do programa, fiquei por algum tempo a meditar sobre algumas assertivas e previsões do pesquisador. Segundo ele, o isolamento vai ser fundamental para frear o número de mortes no Brasil e a pandemia de Covid-19 deve mudar para sempre a ciência, a imprensa, a política, o trabalho e os relacionamentos.

Depois de pegar no sono, os sonhos fluíram em sequência e a noite foi longa e entrecortada com muitos espasmos de pensamentos, sempre sobrepostos, sem uma lógica definida. Os filmes de ficção do meu passado povoaram uma boa parte do meu devaneio noturno.

Lembro-me de ter sonhado com alguns trechos do filme Armageddon que foi exibido em 1998. A trama do filme mostrava a saga de astronautas encaminhados a um asteróide para evitar o seu choque com a Terra. Para cumprir tal missão, é convocado o mais famoso perfurador (Bruce Willis), que compõe uma equipe de comportamento nada convencional. O certo é que, mesmo assim, o planeta foi salvo.

Armagedom é identificado na Bíblia como a batalha final de Deus contra a sociedade humana iníqua, em que numerosos exércitos de todas as nações da Terra encontrar-se-ão numa condição ou situação, em oposição a Deus e seu Reino por Jesus Cristo no simbólico "Monte Megido". Segundo Jeremias (46,10) essa guerra será perto do Rio Eufrates.

Muitas vezes a palavra armagedom está relacionada com o fim dos tempos, através de uma última batalha de destruição total. Também costuma ser usada para descrever um grande e importante conflito. Por esse motivo, esta palavra é bastante comum em vários filmes e seriados.

Não desejo que ninguém fique sugestionado com minha crônica de hoje. O filme teve um final feliz, com a salvação do planeta, e a Bíblia entrou de propósito no final para lembrar que ela pode ser uma grande companheira na nossa longa jornada de quarentena.  

Armagedom era a palavra da minha cabeça.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 12. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE).

POR TIAGO STUDART SINDEAUX: À vil metade

Dr. Tiago Studart Sindeaux
À vil metade 

Sua verve se insinua 
pelas brechas mal deixadas
Segue calma noite surda
madrugadas bem caladas

No seu grito se mistura 
a mordaça colocada 
Brado alto que machuca 
canto raso pela escada

De uma vida segue espúria
passo tão acorrentada 
Sombra é o que futura 
seu caminho está cansada 

Pobre bela branca pura 
era quando em casa estava 
Hoje segue apanha e suga
grana alma enterrada 

O tempo curto encena
se demora ilusão 
Dor figura obscena 
Pulsa escorre compaixão 

Carne cheiro olhos negros 
pele moça já rasgada 
Tua forma deixa em cada
cama solo macerada

Bocas braços pêlos vultos
Companhia de viagem
Ventos botes e sussurros
violentam cada parte 
Te separa de quem tudo 
fez te um dia baluarte 

Para e pensa num segundo
Nasce o dia cai a tarde 
Hoje à noite não tem mundo
que te tire te invade 
Segue a vida outro rumo
Dá-lhe norte 
À vil metade

Tiago Studart Sindeaux

POR MARCELO GURGEL CARLOS DA SILVA: O MENINO PRECOCE

Dr. Marcelo Gurgel Carlos da Silva - Ex Presidente da Sobrames-CE

O MENINO PRECOCE
Os irmãos do Prof. Eilson Goes de Oliveira, Suzana, Maria Amélia e Adbeel, como ele próprio, tinham verdadeira veneração pelo pai. O Dr. Luís era um homem simples, mas nem por isso, desprovido de classe. O porte ereto, o cuidado com a higiene e a indumentária, aliados à sua retidão de caráter e à cultura, de que era possuidor, faziam com que ele estivesse transitando, permanentemente, nos círculos sociais, entre artistas e políticos da época. O caçula Eilson era sua companhia frequente.
Um belo dia, o menino, aos cinco anos de idade, em meio a um evento político, na companhia do pai, subiu em uma cadeira, e, interrompendo a algazarra dos homens presentes, iniciou um discurso político em defesa do Senador Meneses Pimentel. E pasmem! Foi ouvido com atenção, aplaudido e convidado para repetir seu discurso, para o próprio senador, que o nomeou seu principal cabo eleitoral.
O certo é que o menino Eilson nunca se distanciou do adulto, Dr. Eilson; em que pese ter sido um estudioso sério e um cientista aplicado, a figura do menino jamais o abandonou, na intimidade, com a galhofa, a generosa risada, e a molecagem sadia norteando a sua vida e a dos seus irmãos.
Outro “causo” da infância aconteceu no dia que o pai daquele moleque tão politizado levou-o a um comício na Praça José de Alencar. O cantor Rui Ray era o responsável por animar a plateia. Em um determinado momento, ele começou a gritar o refrão “are, are, are...”, enquanto, num ponto da multidão, logo se formou uma nuvem de poeira. Foi quando o Dr. Luís deu conta do menino Eilson, lançando areia para cima, efusivamente. Perguntado porque fazia aquilo, ele respondeu convicto: – tô jogando areia...; o cantor tá pedindo!
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Ex-Presidente da Sobrames - Ceará
* Publicado, originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de médicos e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011.112p. p. 13.
Fonte: SILVA, M.G.C. da. O menino precoce. In: SOBRAMES – CEARÁ. Pontos de vista. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2019. 352p. p.229.

POR SEBASTIÃO DIÓGENES: Minha primeira quarentena

Dr. Sebastião Diógenes

                                                Minha primeira quarentena


         A quarentena tem sido fértil em lembranças do passado.” (Arruda Bastos in Diário de uma quarentena; 11º. dia)
            Sempre tive sobrosso com quarentena. No início deste isolamento social, a primeira coisa que me veio à memória foi a lembrança dolorida da minha primeira quarentena. Foi o sarampo a causa deste sobrosso, que não me larga há 66 anos. Rogo a Deus, contudo, que não deixe o diabo do vírus chinês se meter no sobrosso do menino que fui.
O sarampo me foi um martírio. Fui levado para a casa do tio Astério, onde não havia crianças. Importante medida preventiva para não transmitir a doença para os irmãos. Esse isolamento, embora necessário, não o compreendia. Por isso me marcou profundamente na alma, porque passei dias e dias longe de casa. Dias de tristeza. Longe dos meus irmãos. Longe da Maria Pifane, que se autoproclamava minha mãe de criação. Ademais, era uma casa triste, a casa do tio, onde só habitavam adultos. Um deles, cronicamente enfermo. Ainda hoje escuto o gemido do irmão do papai, que já apresentava sintomas de uma doença neurológica, provavelmente de natureza degenerativa, que o levaria à morte muitos anos depois.
Tio Astério passava o dia deitado em uma rede, estendida na sala da frente, e não parava de gemer. Levantava-se somente para fazer as refeições à mesa e atender as necessidades corpóreas. À noite, recolhia-se ao quarto, mas continuava o mesmo tom lastimoso. O gemido tornava-se mais intenso, mais pungente, certamente, devido ao silêncio da noite.
Eu sentia muitas saudades de casa, que eram amenizadas com as visitas diárias da Maria Pifane, que chegava à noitinha. Eram momentos de felicidade, e esquecia o infortúnio do degredo. Quando adormecia, ela saia de mansinho para não me acordar, e pegava a estrada de volta, a pé. Na época, morávamos na fazenda Juiz, a meia légua dos Campos, a propriedade do tio.  Na manhã seguinte, ao despertar da noite feliz, Maria já não estava, e eu voltava a sofrer. E o tio, ainda no quarto, continuava anunciando a sua dor, que não cessava.  E eu chorava de saudade, baixinho, para não lhe atrapalhar o gemido. Pois, considerava aquele som plangente a coisa mais respeitável da casa.
Sebastião Diógenes
31-03-2020