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quinta-feira, 26 de março de 2020

POR TIAGO STUDART SINDEAUX: LEVANTO.

Dr.Tiago Studart Sindeaux - Membro da Sobrames-CE
Levanto

Olhos fecham lentamente 
Cruzo os braços, decomponho  
Já cansados, descontente
Universo tão medonho  

Sigo os passos, vou em frente 
Meu caminho, o que disponho
Ruim é ser quem não se sente
Feito forte, me envergonho! 

No espelho é que vejo, de reflexo meu tamanho 
O olhar já é valente 
Ergo os braços, me exponho 

Não àquele que descrente  
Fatigado simplesmente
Segue a vida sem um sonho 

Tiago Studart Sindeaux
29/12/2019

POR MARCELO GURGEL: FABRICANTE DE GÊNIOS

Dr. Marcelo Gurgel Carlos da Silva - Ex Presidente da Sobrames-CE

FABRICANTE DE GÊNIOS
Quem contou esta foi o Livino Jr. Certo dia o Prof. Eilson Goes de Oliveira mandou chamá-lo, e disse:
– Livino, você vai fazer comigo a prova de Física do Vestibular da Escola de Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará.
– Não estou entendendo nada, retrucou o outro. Tem coisa errada aí, eu não sou professor da Universidade Estadual, sei física, mas não sou professor de física. Será que isso não vai lhe criar problema?
Eilson, peremptoriamente, respondeu:
– Livino, prefiro você mais do que uns professores que conheço.
A resposta veio imediata:
– Mestre, isso vai dar bronca.
Mas ele não quis nem saber. Em contrapartida, disse:
– Rapaz deixa de ser chato e vai por mim. O Reitor me deu carta branca para escolher o outro professor que comporia a banca (eram dois professores por banca).
Usando de uma certa intimidade, Livino Jr. argumentou:
– Cara, se você acha que está tudo bem, está tudo bem, o problema é teu.
No mesmo dia, era elaborada a prova de matemática também por dois professores. Por exigência da UECE, quem participasse da feitura de prova, tinham que passar 24 (vinte e quatro horas) isolado para não haver possibilidade de "vazamento" de questões. Na hora do almoço, aconteceu o inesperado.
Eilson era muito introspectivo e quando ele e Livino Jr. chegaram à mesa do almoço, esse último se aproximou dos professores que estavam elaborando a prova de matemática, e falou:
Vocês devem ser os professores que estão fazendo a prova de matemática; somos nós que estamos elaborando a de física; este aqui,apontou para o mestre Eilson é o professor Eilson Goes de Oliveira, e eu sou Livino Júnior.
Nessa altura dos acontecimentos, os professores de matemática já sabiam que a prova de física estava sendo feita por dois professores, ambos médicos e patologistas (por que não físicos?); a modesta conversa, orquestrada pelo Livino Jr., começava a pesar, já que o ambiente não era muito leve.
No final do almoço, um dos professores de matemática falou:
– Olhem colegas, nós temos um problema na prova que estamos elaborando. Será que vocês, com o conhecimento de física que possuem, e que devem também conhecer matemática, poderiam nos ajudar?
Expôs o problema e com o giz na mão dirigiu-se ao Livino Jr. O Eilson entrou então na história e falou para o colega:
– Rapaz, não faça isso, porque iremos perder muito tempo; deixe que eu resolvo.
Pegou o giz e, seguidamente, resolveu o problema de três maneiras diferentes. Os dois professores ficaram com ar espantado e, em vez de olhar para o Eilson, que era menos jovem, olharam de pronto para o "jovem prodígio", no caso ele, Livino, pois se o mais experiente respondia daquela maneira, certamente o mais novo iria complicar demais pelos seus conhecimentos; os matemáticos não conseguiram, durante uns cinco minutos, retirar os olhos do Livininho, médico patologista e “doublé” de professor de física
Talvez tenha sido essa a única vez que ele se sentiu um gênio (mesmo que fabricado pelo Eilson).
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Ex-Presidente da Sobrames - Ceará
* Publicado, originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de médicos e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011.112p. p. 19-20.
Fonte: SILVA, M.G.C. da. Fabricante de gênios. In: SOBRAMES – CEARÁ. Pontos de vista. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2019. 352p. p.233-5.

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (6º dia)

Por Arruda Bastos
Cabeça oca, vazia de tudo, sem pensamento.

Acordei, como sempre, perturbado com as últimas notícias e os números da Covid-19 no Ceará e no Brasil. O pronunciamento do presidente Bolsonaro em cadeia de rádio e televisão também contribuiu para a minha insônia. Mesmo sem encontrar Orfeu, cedinho já estava de pé, pois tinha certeza que seria demandado a redigir e assinar uma série de notas de desagravo. 

Já havia decidido que as minhas crônicas da quarentena não vão tratar de assuntos políticos, tema que também escrevo, mas não vou publicar agora, só mesmo depois de tudo acabar. O problema de hoje é que estou com a cabeça oca, vazia de tudo e sem nenhuma inspiração. Parece até que me fizeram uma lavagem cerebral.

Fui, então, ler em busca de algum mote. Encontrei, nessa busca, que, no século 17, o físico britânico Isaac Newton disse que o tempo e o espaço eram independentes, ao que Einstein afirmou que, na verdade, o tempo e o espaço estão intimamente conectados e o que os une - e que nos permite observar isso - é a velocidade da luz.

Li também que nada pode ir mais rápido, porque essa é a velocidade do próprio tecido do espaço-tempo. E a luz viaja a essa velocidade. Não é que a luz seja especial nesse sentido, é a própria velocidade que é especial em nosso Universo. Pode haver outros universos nos quais a velocidade máxima seja diferente. Que quarentena!

Em outra busca, pesquisando por “cabeça oca”, encontrei o livro de Christie Queiroz intitulado “Cabeça Oca no Mundo de Cora Coralina” que é protagonizado pelo garoto traquina e sua turma. No livro, os personagens Cabeça Oca e Pião têm um trabalho escolar para fazer - Cora Coralina é o tema - o que deixa os dois bastante apreensivos. O resto,  só digo quando ler o livro, depois de mais alguns dias.

Nesse período de quarentena, o que eu faço com frequência e aconselho a todos é lavar as mãos com água e sabonete ou limpar bem com álcool em gel. Não sei se a inspiração está saindo pelas mãos. Será que o hábito, agora obrigatório e de fundamental importância para o combate do coronavírus, também pode lavar o cérebro por tabela?

A resposta talvez esteja no psicológico e no cuidado de lavar no tempo certo cantando por duas vezes o “parabéns para você”. Primeiro, a palma da mão, depois o dorso, entre os dedos, a ponta dos dedos, o polegar e o pulso. De tanto lavar e cantar, já estou ficando rouco e com a pele bem fininha.

Mas o que tem Isaac Newton, Einstein, a velocidade da luz e o livro “Cabeça Oca no mundo da Cora Coralina” com a minha crônica do sexto dia? Respondo que nada ou talvez por misturar personagens reais e da ficção. É nesse mundo que estou vivendo: realidade e muita ficção.

Se meu leitor não entendeu nada na crônica de hoje, não fique preocupado, pois eu digo que eu também não e que estou escrevendo o que dá na telha, mesmo com a cabeça oquinha. 

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 6. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE).
Figura retirada da internet.

POR SEBASTIÃO DIÓGENES: As três mulheres.


                                     
Dr.Sebastião Diógenes-Membro da Sobrames-CE
As três mulheres.


         Quando era menino, eu gostava de caçar na caatinga do Campo Verde. O nome da fazenda de meu pai deve-se ao verdor dos juazeiros que, ainda hoje, abundam a propriedade. Pois bem, foi por obra de uma dessas caçadas que conheci pela primeira uma mulher nua. De vista, é claro, ainda não tinha idade de conhecer mulheres.
Na realidade, eram três mulheres. Tomavam banho no poço do riacho Quebra Pedra. Cheguei ao local sem intenção maliciosa. Foi uma circunstância acidental. E para não assombrá-las, me escondi atrás de uma frondosa moita de mofumbo. Visitou-me o diabo da curiosidade. A esse momento, as forças contra o pecado já me haviam abandonado. Encontrava-me, pois, sob o império da concupiscência precoce. Através da folhagem, passei a espiar as três mulheres se banhando. Contemplava-as com o encantamento antecipado nos anos. A imponência negra do púbis! A beleza plástica que Deus fizera para garantir a espécie.
Ao deixarem o poço, as três mulheres tinham de passar ao lado do arbusto, e me flagraram no esconderijo. Disseram-me pragas, e que iriam contar a indecorosa ofensa à minha mãe, sabidamente muito exigente com os bons costumes dos filhos. A pena da infração moral custou-me uma dúzia de bolos. De palmatória, que eram os bolos que mais queimavam as mãos dos sentenciados.
         Quando aprecio as Três Graças de Rubens, por exemplo, é das três mulheres do poço do riacho Quebra Pedra que me lembro. Sem remorsos!
Sebastião Diógenes.
23-03-2020





quarta-feira, 25 de março de 2020

POR DIONE MOTA RÔLA: ILUSÃO DE CARNAVAL

Dra. Dione Mota Rôla


CRÔNICA ILUSÃO DE CARNAVAL
O sorriso ilumina o rosto de todos, alegria é geral. O som alto entoa música e a grande plateia acompanha eufórica a polifônia zoada e tudo se mistura, a zoadaria caótica, o suor, o samba, o calor humano.
Eu assistindo tudo diretamente da minha confortável cama graças ao milagre conexão televisão-internet.
O desfile dos blocos se sucedem nos proporcionando um espetáculo mágico. Os carros alegóricos me levam aos contos de fada que me deliciavam na infância. Agora estou descendo com o bloco e de repente esculto uma vozinha que parte de uma criança faminta: Tia me dá um trocado?, patinando entre o choro e o riso haveria de decidir entre o continuar ou parar para atender ao menino.
Abri os olhos e não foi preciso tomar a decisão, ou era pesadelo ou estava a sonhar, não tive que responder à criança mas fiquei a pensar na frieza humana, em forma de calor, em forma de festa com saliva e beijo, como se miséria não fosse também sobre mim, sobre você, sobre nossa insensibilidade, querendo esconder tudo na ilusão do carnaval.


POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (5º dia)

Dr. Arruda Bastos


Por Arruda Bastos
Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se pôr


Chegamos ao quinto dia e estou começando a não saber, de forma automática, qual é o dia da semana. A televisão do meu quarto, que era tão imponente, hoje me olha de soslaio e eu não dou nem bola. Novela, BBB, alguns programas e até certos filmes que, de tanto passar, já decorei, não me apetecem mais. Jornal só mesmo o apresentado pela Maju Coutinho, o do meio dia. O Nacional, se assistir um pouco, digo que fico com antojo parecendo mulher grávida.
Minha repugnância é tamanha por televisão que até mesmo as notícias de esporte e do meu Vozão, estou dispensando. O rádio, pelo qual sou aficionado desde criança, por enquanto vou ouvindo aqui e acolá, até mesmo porque o meu programa “Saúde em Dia” continua no ar diariamente das 12h30min às 13h na Assunção AM 620. É uma boa programação para quem está em isolamento social. Não vou ao estúdio e faço tudo de casa por telefone.
Mudando de leriado, não sei se o meu leitor tem a mesma sensação, mas todos os dias dessa quarentena têm cara de domingo e, quando acordo no outro dia, parece segunda (mas só por alguns minutos). Acho que estou ficando sugestionado. Não sei bem se é síndrome de abstinência ou sei lá o quê. Sei que de álcool não é, pois nunca bebi, e fumar também não fumo. Acho que só tem uma explicação: deve ser a falta do trabalho. Tem quem diga que eu sou viciado em trabalho.
Como já tinha cumprido minhas tarefas diárias, que não custa repetir: caminhada pelo apartamento, banho de sol na varanda, realização da minha aula na internet, consertos diversos na casa e leitura, resolvi, por curiosidade, pesquisar no mestre Google quais os sinais de um viciado em trabalho. Encontrei um site que listava as dez características principais de um VT (viciado em trabalho).
A página me deixou impressionado e iniciava ensinando que Workaholic e Working Dead são duas expressões americanas usadas para caracterizar os viciados em trabalho. Depois, a página perguntava “Será que você faz parte deste exército de viciados em trabalho?”, e desafiava “Descubra a resposta até o final deste artigo”.
O ócio do isolamento levou-me a aceitar o desafio e de chofre passei a responder o questionário. “É o primeiro a chegar e o último a sair?”, “Não tem tempo ou não almoça?”, “Leva muito trabalho para casa?”, “Não consegue se desligar do trabalho, trabalha mesmo doente?”. Com todas as respostas positivas, o meu diagnóstico foi rápido.
Depois da constatação da causa dos meus sintomas, e sabendo que para tratar qualquer vício a abstinência é fundamental, o meu isolamento social, além do aspecto positivo para a saúde pública, pois contribui para a tentativa de reduzir o crescimento da Covid-19, tem como forte tendência me curar do VT. Digo que vou trabalhar menos depois que tudo voltar ao normal.
Hoje, vou concluir com a letra da música dos Titãs intitulada Epitáfio:
Devia ter amado mais

Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais e até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos, trabalhado menos

Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado a vida como ela é
A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos, trabalhado menos

Ter visto o sol se pôr.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.

Este foi o dia nº 5. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE).




terça-feira, 24 de março de 2020

POR TIAGO STUDART SINDEAUX: POEMA AO MEU PAI.

Dr.Tiago Studart Sindeaux - Membro da Sobrames-CE

                 Poema a meu pai.

Pois te digo: Hoje é o que temos! Nada mais
Abre a gaveta, puxa o caderno e tira teus versos

Mas não te descuidas, que após poderá ser outro
Nem por isso te desconheças, é o risco que corres, assaz!

Deixar teu Lírico tornar-te gracioso
Não te estranhes, se te melhor ficar, ignores

O mergulho nas letras das tuas dores
Embriagar teus anseios no vigor das tuas cicatrizes

E só assim, quando ao que compores
Colocar pra fora tudo aquilo que eximes

Pois bem te digo, só o hoje é  bastante
À vida e à poesia, não desanimes!

Tiago Studart Sindeaux 

04/12/2019
Sr. Nilo Sindeaux Moreira Filho