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Rebeca Diógenes - Acadêmica de Medicina |
O Tempo das Horas e o Fim dos Mundos
Antigamente, a vida corria no
compasso dos sinos da igreja e do apito do trem. O dia começava com o galo,
terminava quando o sol se escondia, e o mundo parecia imenso e ao mesmo tempo
simples. As conversas aconteciam na calçada, o tempo era medido pelo cheiro do
café coado e pela rotina das estações. O futuro não se apressava — vinha lento,
como chuva anunciada no horizonte.
Hoje, o tempo não cabe mais no
relógio. As horas se dissolvem em telas luminosas, e a vida é contada em
notificações. Conversamos menos com quem está ao lado e mais com quem está a
quilômetros. O mundo, que antes parecia distante, agora cabe no bolso — mas,
paradoxalmente, nunca pareceu tão esmagador. Falamos em progresso, mas nos
perdemos em algoritmos; corremos contra o tempo, mas sempre chegamos atrasados.
E quanto ao fim do mundo? Talvez ele
não venha com trombetas ou fogo dos céus, mas em pequenas doses cotidianas: no
silêncio entre duas pessoas na mesma mesa, na pressa que devora o presente, na
solidão de quem tem mil amigos virtuais e nenhum ombro real. O fim do mundo
pode estar menos no planeta e mais dentro de nós, no instante em que esquecemos
de viver como antes — com a calma de quem sabia esperar, com a simplicidade de
quem reconhecia beleza no pouco.
Cecília Meireles, em sua delicada
sabedoria, já nos lembrava que “a vida só é possível reinventada”. E talvez
seja isso: o fim não é apenas destruição, mas o perigo de não reinventarmos a
própria existência, de nos perdermos no ruído e esquecermos a poesia escondida
nos gestos simples. Quando deixamos de reparar nas flores que nascem sem alarde
ou no silêncio das estrelas, é como se começássemos a escrever, em silêncio, o
nosso próprio apocalipse.
Talvez o mundo não acabe em
explosão, mas em esquecimento. O fim não será um clarão, mas um piscar de
olhos. E, quem sabe, um dia ainda olharemos para trás e veremos que o
verdadeiro fim começou quando deixamos de olhar o céu — esse mesmo céu de
Cecília, sempre aberto, sempre nos lembrando que “o tempo é a minha matéria, o
tempo presente, pessoas presentes, a vida presente”.
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