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quinta-feira, 25 de setembro de 2025

POR REBECA DIÓGENES: O TEMPO DAS HORAS E O FIM DO MUNDO

Rebeca Diógenes - Acadêmica de Medicina  

O Tempo das Horas e o Fim dos Mundos

Antigamente, a vida corria no compasso dos sinos da igreja e do apito do trem. O dia começava com o galo, terminava quando o sol se escondia, e o mundo parecia imenso e ao mesmo tempo simples. As conversas aconteciam na calçada, o tempo era medido pelo cheiro do café coado e pela rotina das estações. O futuro não se apressava — vinha lento, como chuva anunciada no horizonte.

Hoje, o tempo não cabe mais no relógio. As horas se dissolvem em telas luminosas, e a vida é contada em notificações. Conversamos menos com quem está ao lado e mais com quem está a quilômetros. O mundo, que antes parecia distante, agora cabe no bolso — mas, paradoxalmente, nunca pareceu tão esmagador. Falamos em progresso, mas nos perdemos em algoritmos; corremos contra o tempo, mas sempre chegamos atrasados.

E quanto ao fim do mundo? Talvez ele não venha com trombetas ou fogo dos céus, mas em pequenas doses cotidianas: no silêncio entre duas pessoas na mesma mesa, na pressa que devora o presente, na solidão de quem tem mil amigos virtuais e nenhum ombro real. O fim do mundo pode estar menos no planeta e mais dentro de nós, no instante em que esquecemos de viver como antes — com a calma de quem sabia esperar, com a simplicidade de quem reconhecia beleza no pouco.

Cecília Meireles, em sua delicada sabedoria, já nos lembrava que “a vida só é possível reinventada”. E talvez seja isso: o fim não é apenas destruição, mas o perigo de não reinventarmos a própria existência, de nos perdermos no ruído e esquecermos a poesia escondida nos gestos simples. Quando deixamos de reparar nas flores que nascem sem alarde ou no silêncio das estrelas, é como se começássemos a escrever, em silêncio, o nosso próprio apocalipse.

Talvez o mundo não acabe em explosão, mas em esquecimento. O fim não será um clarão, mas um piscar de olhos. E, quem sabe, um dia ainda olharemos para trás e veremos que o verdadeiro fim começou quando deixamos de olhar o céu — esse mesmo céu de Cecília, sempre aberto, sempre nos lembrando que “o tempo é a minha matéria, o tempo presente, pessoas presentes, a vida presente”.

 

 

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