Dr. Ronald Teles- Cardiologista
Bullying
Minha infância e
adolescência foram em um bairro suburbano de Fortaleza; era uma nova assentação
humana que albergava inúmeras famílias de bem com jovens famílias que buscavam
um local seguro, dotado de uma infraestrutura básica para seu pleno
desenvolvimento.
Brincávamos alegremente pelas
ruas, com corridas, pega-pega, carimba, adivinhações, jogos iniciais de
inocência, mas com intuitos velados amorosos como pera, maçã, uva e "
salada mista" que orientava à osculação ruborizada na boca do contemplado
ou contemplada. Jogos em campinhos de várzeas que eram cuidados pelos times que
lá pelejavam, e tinham seus campeonatos e troféus pagos como tubaínas em bares locais.
Visitávamos amigos e
parentes em bairros circunvizinhos sem sobressaltos ou medos de violência, que
era embrionária, amadora e sem a deslealdade e crueldade de hoje; naquele tempo
a " bandidagem" era mais " romântica" e os meliantes eram
conhecidos pelo nome e por sua fama, assim como " especialidade”. A cada
temporada uma comemoração; os jogos de Copa do mundo, com ruas enfeitadas de
verde amarelo e ufanismo declarado, com famílias inteiras defronte de
televisores de tubo, ainda sem controle remoto, mas com emoção desbragada e
fogos mis a cada tento do esquadrão canarinho.
No São João buscávamos
comprar fogos de artifício e as ruas estalavam com sons variados e o cheiro
gostoso da fumaça sinuosa da pólvora. Na adolescência a busca pelos "
sons" e tertúlias, para dançarmos " soltos " ou as "
músicas lentas”, onde colávamos nossos rostos, corações e corpos aos de moças
que consentiam nosso pedido para uma dança.
Era um momento de grande
emoção, pois poderíamos ter uma negativa da dança ou até como resultado um
beijo roubado de nosso par. O estudo era assunto seríssimo! Os mais abastados
estudavam em colégios da aldeota como o Cearense, Santo Inácio, Colégio Militar,
Imaculada Conceição ou um novo colégio sito à avenida Barão de Studart que
agregava alto nível de ensino e valores cristãos em seu cabedal de conhecimentos,
assim como também, era extremamente elitizado e dos " ricos" de
Fortaleza; era o Colégio Christus. Inglês, aprendíamos no IBEU, ou cultura Britânica.
Os demais moradores do bairro frequentavam o Colégio Redentorista,
O Ginásio Julia Jorge, o
colégio Santa Isabel, e tantos outros. Vale dizer que do meu bairro e de todas
essas instituições citadas, são egressos grandes médicos cearenses, engenheiros
do ITA, militares conceituados, engenheiros de todas as especialidades e
formações, advogados renomados, funcionários públicos de grande relevância, Magistrados,
Professores respeitáveis, Assistentes Sociais muito qualificados, odontólogos
também de excelência, administradores e economistas, enfim nosso torrão periférico,
se é que posso assim chamá-lo, deu à nossa sociedade uma contribuição fenomenal
com cidadãos de bem e de mente saudável, produtiva e sã.
Quando eu cheguei ao
colégio Christus ao início dos anos 80, proveniente do meu bairro ,alheio aos
limites da Aldeota e sua elite, fui tratado como um verdadeiro "ET";
a brincadeira começou quando ao recreio me servi de um lanche preparado por
minha mãe em casa! Era um verdadeiro ultraje comer um pão com ovo e um suco,
pois os alunos do colégio adquiriam fichas, iam na cantina e comiam seus "
hot dog" com coca- cola. Era constantemente inquirido se onde eu morava
havia índios ou outra civilização, meus" Ki- chute" eram comparados
aos tênis trazidos dos EUA pelos pais deles; era um verdadeiro confronto entre
subúrbio e Aldeota.
Rapidamente ganhei vários
apelidos e os assimilei sem raiva ou mágoa, e tb entrei no clima da brincadeira.
Fiz muitas amizades, por minha espontaneidade e leveza, ela alma tranquila e
também por ser parente de grandes humoristas cearenses, rebatia as brincadeiras
com brincadeiras. Fizemos vários grupos de estudo, nos finais de semana ia para
casa de colegas tentar assimilar matérias sempre espinhosas para mim, como
matemática, principalmente.
Sempre fui bem colocado
na turma, a despeito da bagunça que tb fazia, inclusive com várias idas à
" lista negra" de expulsão do colégio ao fim do ano. Como era
estudioso e promissor nunca se concretizou tal expulsão. Me distinguia na turma
na bagunça, e nos livros, assim como no esporte pois jogava basquete muito bem
e pertencia à seleção do colégio.
Ao terceiro cientifico,
quando disse que faria o vestibular para Medicina, não fui levado a sério, mas
passei na UFC, e muitos dos que me achincalhavam com as variadas brincadeiras,
às vezes até insultos, infelizmente não tiveram muito sucesso futuro, se
perderam na soberba e em seu universo preconceituoso sem objetivos.
Tudo que passei no
Christus, se chama atualmente de "Bullying ", esse neologismo
incorporado ao século 21,e à corruptela de nosso idioma português, devassado
com tantos outros termos ora em voga, que verdadeiramente " insultam"
nossos ouvidos, paciência e inteligência, assim como se fazem vazios de
conotação verdadeira, como " fake news", " Bugou", e tantos
outros, que nos impedem dizer: Um insulto, uma inverdade, uma mentira, quebrou,
houve um problema...
Na verdade não se pode criar um ser humano em
uma bolha. A família que é a nossa primeira igreja, através de seus pais, seus
irmãos e até parentes, enfim, têm que ministrar uma educação de inclusão e não
de exclusão. O mundo cobra dos seus habitantes novas posturas e novos paradigmas,
devemos equipar nossos filhos com tudo que possam sorver para ter um pensamento
digno, retilíneo, mas com flexibilidade e resiliência, para não se vitimarem
por qualquer fato em suas vidas, para não se acharem " cotistas" do
preconceito que não resvala em nenhum preconceito, de uma simples brincadeira
coloquial.
Não cultivemos mentes doentias,
escravas de modismos, afetadas por neologismos, por " parêntesis" e
exclamações por fatos banais do dia a dia. Não façamos nossas crianças mais
doentes do que já estão, se suicidando, porque foram " canceladas" em
mídias estúpidas de grupos.
Nossos costumes, nossa sociedade,
nossos pensamentos e conceitos estão passando por uma crise que precisa e deve
ser cuidada e também combatida com o bom combate. Diz Jesus, na Epístola de
Paulo aos romanos:" A minha graça te basta, minha força se aprimora nas
tuas fraquezas" Que maravilha diz nosso Salvador! Em nossas fraquezas, em
nossos sofrimentos, em nossa nudez espiritual Ele chega e nos resgata e mostra
o caminho certo! Façamos da dor nossa força para nossa salvação e esqueçamos
tantas coisas sem importância e que levam à destruição da mente e do corpo.
Passamos por isso e nem por isso ficamos traumatizados.Acredito que nos fortalecemos para ir à luta.
ResponderExcluirUma grande verdade!Passamos sem vitimismos ou maiores traumas ,enfrentando as situações conforme se nos apresentavam.
ExcluirParabéns!
ResponderExcluirMuito obrigado!
ExcluirVerdade verdadeira….geração atual com muitas fragilidades…falta de Deus!
ResponderExcluirNão se pode construir uma personalidade forte e centrada apenas no racionalismo.A fé deve nos acompanhar em nossos atos e pensamentos! Deus é bom e misericordioso sempre.
ExcluirRonald Teles
ExcluirExcelente! Estamos criando pessoas fragilizadas que não sabem construir mecanismos internos de defesa para as intempéries da vida.
ResponderExcluirÉ verdade querida Dra Cláudia Bruno! Essa fragilidade é banalizada à toda hora e forma também indivíduos sem argumentos ou defesa de seus pontos de vista.
ExcluirCaro Ronald,
ResponderExcluirMuito bem retratada esta boa fase de vida, da qual eu também fiz parte.
Nessa boa e saudosa época, o "bulinador", sem nos imiscuir na carga negativa e invejosa dessa criatura, era um projeto visível de fracasso futuro. Com certeza, alguém se salvou, mas uma grande parte desses personagens se perdeu pelo caminho. Ver o passado pelo retrovisor nos impõe observar que aqueles "bulinados" dessa época retratada, superaram todos os obstáculos por serem psicologicamente fortes a ponto de não se abalarem com quaisquer atos discriminatórios e tocaram os seus futuros com invejável maestria. O jovem de outrora deveria ser o exemplo a ser seguido, tal qual o jovem de hoje que, diante de tantas adversidades e perspectivas desfavoráveis, também
constroem caminhos rumo a um futuro brilhante e promissor.
Obrigado pelo oportuno e instigante comentário que traça nossos perfis resilientes à essas vicissitudes ,que hoje não são mais assimiladas ,e se transformam em verdadeiras barreiras ao progresso dos seres humanos.
ExcluirParabéns, vc colocou em palavras simples , mas bem articuladas , o que vai na nossa memória. Me senti na Jota da Penha novamente
ResponderExcluirNpssa infamcia e adolescencia foram lúdicos,cheias de boas recordações e sentimentos positivos. Tudo era uma aventura e nos divertimos no dia a dia, vivendo-o intensamente,sem arrependimentos ou frustrações. Hoje qualquer fato passa pelo crivo do preconceito, e afetamento sem sentido real de alguma ameaça moral aos individuos
ExcluirRonald Teles, apraz cumprimenta - lo por tão bela crônica, onde o escritor numa linguagem compreensível descreve o distanciamento e poder aquisitivo entre os mais favorecidos e os menos favorecidos!
ResponderExcluirNa verdade os menos favorecidos são blindados pelo poder de DEUS e sempre serão vitoriosos, no evangelho de Jesus Cristo ele sita o exemplo do rico que chega no templo e da uma grande quantia para a igreja ai chega uma pobre viúva que só tinha um vintém e tirou da sua pobre e já rasgada bolsa e presentiou a igreja, o Deus todo poderoso disse que a pobre viúva que deu seu único vintém foi abençoada pelo seu gesto santo e piedoso. A bela crônica em todo momento exalta as grandes virtudes humanas!
PARABÉNS querido
E amado DR. Ronald
Muito obrigado pelo maravilhoso e estimulante comentário! Me sinto extremamente feliz em alcançar mentes como a sua que buscam a Deus ,e reconhecem que:" Os humilhados,serão exalatados"
ExcluirUm dos textos mais reais a minha realidade que já li, vinda do “torrão da sociedade” com uma gratidão enorme a Deus. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirObrigado querida dra Tamyres Arruda!
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