Dr. Sebastião Diógenes - Membro da Sobrames-CE |
Fique
em casa!
“A
natureza humana sempre teve para os seus ferimentos os remédios apropriados.”
(Santo Agostinho)
Estamos
sob a tirania do coronavírus. Trata-se
de um insaciável aniquilador de vidas humanas, e, ao mesmo tempo, um detonador
do sistema produtivo das nações. Uma das ordens das autoridades sanitárias para
combater o voraz inimigo é ficar em casa. Não sair de casa! Há gentes que têm
dificuldades de obedecer às recomendações básicas de prevenção da pandemia, por
razões diversas, que não cabem, neste espaço, o mérito da argumentação.
Participei de um vídeo realizado pela Sociedade Cearense de
Otorrinolaringologia, estimulando as pessoas que ficassem em casa. “Fique em
casa!” é o slogan da campanha. O vídeo correu o mundo. E a filha do compadre Raimundo
Carlos assistiu a ele, e me ligou apavorada.
O
pai tem 80 anos, e um passado de câncer do aparelho digestivo. Além da cirurgia,
ele submeteu-se a radio e quimioterapia. Embora seja considerado curado da
neoplasia, a filha julga ser o pai uma pessoa, ainda mais, vulnerável à
patogenicidade do Covid-19.
- Padrinho, papai não está fazendo a quarentena. Sai para a
rua, vai ao sítio, como se nada de grave estivesse acontecendo. Ele está
causando o maior problema aqui em casa. Mostrei o seu vídeo a ele. O senhor
poderia ligar pra ele e dar uns conselhos?
Liguei para o compadre. Com bons modos, e de forma didática,
expliquei sobre a epidemia. Argumentei que a situação é muito grave, e que o
isolamento em casa é a melhor forma de prevenir a doença, que é fatal em milhares
de casos entre os idosos.
- Pois não, meu compadre Tião! Fique tranquilo! Vou seguir o
seu conselho – prometeu, e se queixou do pessoal dele, afirmando que era muito
exagerado nas coisas.
Dois dias depois, Sirlene, a afilhada, telefonou alegando
que o pai continuava desobedecendo às regras de prevenção contra o Covid-19.
Voltei a entrar em contato com ele pelo celular.
- Bom dia, compadre Raimundo! Onde você está? – perguntei como
quem faz uma ronda para verificar o cumprimento de uma regra estabelecida.
- Estou em casa! – respondeu sem convicção, logo depois de eu
ter escutado o mugido da vaca.
- E você está com a vaca no apartamento, compadre Raimundo?
– repliquei com ironia.
Pediu desculpas pela mentira. Realmente encontrava-se no
sítio, não havia como negar. Recorrendo mais uma vez aos bons modos de falar,
trouxe-lhe à lembrança as quatro cirurgias que se submetera no passado. E lhe
avivei a memória, alegando a minha presença nos socorros urgentes. Adverti-o, que em caso de contrair o novo coronavírus,
não lhe poderei prestar nenhuma assistência, como o fizera nas enfermidades
pregressas.
- Eu compreendo o meu compadre! Agora estou vendo que a
coisa é muito séria – respondeu dizendo que desta vez eu podia ficar tranquilo.
Dois dias depois, recebi novo telefonema da afilhada. O
comportamento do pai em nada mudara. Sem demora, peguei o telefone e queimei a
última tentativa.
- Fala Dr. Sebastião Diógenes!... – já me atendeu diferente,
com formalidades.
Senti que o velho Raimundo Carlos não estava para conversa. Procurei
ser sucinto. Conheço a figura!
- Estou telefonando para comunicar que, caso a indesejada o visitasse,
não lhe poderei comparecer ao enterro. E dei por encerrada a tarefa de tentar salvar
a vida de um cabeça-dura.
Três dias depois, Sirlene me ligou feliz da vida. Perguntou o
que eu fizera para obrar o milagre. O pai havia três dias que não saia de casa.
- Acho que desta vez empreguei argumentos mais persuasivos –
respondi triunfante, com a tática empregada para causar o milagre.
Sebastião
Diógenes.
28-03-2020