Dr. Martinho Rodrigues - Médico e Membro da Sobrames-CE |
O PRÍNCIPE DOS CIRURGIÕES
João é uma figura carismática. Com seu porte esbelto, caminhar a passos largos, seu
sorriso quase infantil, sua simplicidade e elegância no trato com os pacientes, colegas e alunos, tornou-se uma
unanimidade que, contrariando Nelson Rodrigues, não é burra. Diante das situações
cirúrgicas mais complexas, João encontrava soluções simples e eficazes.Estilista do bisturi, no palco da cirurgia, ele era o ator principal. Com suas mãos de pluma,
olhos de águia, tinha o domínio completo de todo o campo
cirúrgico. Seus dedos
ágeis executavam um gracioso balé, restaurando feridas, extirpando tumores, semeando esperanças
e, muitas vezes, fazendo milagres através
de curas definitivas. Milagres que, não
sendo fictícios, certamente não valeriam para que propuséssemos a sua canonização.
João, na realidade, era uma espécie de Ademir da Guiados cirurgiões. Como aquele grande e
injustiçado craque palmeirense que, com
largas passadas, sempre com
elegância e maestria, parecia
lento em campo ( fazendo
lançamentos que deixavam
César ou Leivinha na “cara do
gol” ou invadindo a área e
decidindo a partida no momento certo), João também não tinha pressa.
Solicitado para
resolver os casos cirúrgicos difíceis, o fazia com tranquilidade enquanto discorria didaticamente, para os seus auxiliares, a história de cada técnica cirúrgica a ser executada, quem a havia imaginado, depois desenvolvido e aperfeiçoado, com detalhes dos nomes dos autores, suas origens,
até
o estádio atual – uma conferência magistral - sem interromper o nobre artesanato que
continuava a executar
com suas mãos verdadeiramente “santas” como
as de um mago do bisturi.
João decidiu parar, precocemente, fazendo-o
com a dignidade e a calma que sempre o caracterizaram. Como homem sábio, não quis correr o risco de passar da
hora. Guardou o bisturi e fez-se personagem viva da
História da Medicina como um
dos mais completos cirurgiões
de seu tempo, aliando ao grande conhecimento
médico uma invejável cultura geral: história da
Medicina, cinema, música erudita, MPB, pintura, literatura, filosofia, teatro, o que
tornava fascinante ouvi-lo falar. A exemplo de Nilton Santos no futebol, João é a “Enciclopédia”
viva da Cirurgia. É preciso recolher e perenizar no Museu da Imagem e do
Som da Medicina ( que infelizmente não existe)
todo o patrimônio histórico-cultural que é a sua Biografia, para que ele, que
tanto contribuiu para a formação dos melhores cirurgiões contemporâneos, continue
a servir
de exemplo às futuras gerações de abnegados profissionais da Medicina Cirúrgica.
Faço tão importante registro por sentir-me privilegiado em ter testemunhado o fazer hipocrático de uma geração de médicos notáveis,
que foram meus professores, como Paulo
Marcelo
Martins Rodrigues ( o “Pai da
Medicina Clínica” no Ceará), José
Murilo de Carvalho Martins ( entre
nós, o “Criador da Hematologia”), Antônio Lacerda Machado (o
pioneiro dos transplantes), Fernando Antônio Mendes Façanha
( organizador da Traumato-Ortopedia do HGF) e, como companheiros de trabalho no Hospital Geral de Fortaleza, José
Iran de Carvalho Rabelo (padrão-ouro da Clínica Médica contemporânea), Francisco Valter
Justa Freitas ( ícone da Oftalmologia cearense), Elias Geovani Boutala Salomão (que deu vida à
Unidade de Terapia Intensiva do HGF), João Evangelista
Bezerra - o Príncipe dos Cirurgiões – e com eles ter vivido os Anos Dourados
de uma Medicina “romântica”, com menos tecnologia, menos desperdício e muito mais dignidade e respeito aos pacientes e aos médicos.