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Dr. Flávio Leitão - Médico e Ex-Presidente da Sobrames-CE |
A EXECUÇÃO
Publicado em: Murmúrios
Literários- 2012 (pg.104-106)
Quanto menos sabedoria, maior a felicidade
Erasmus de Rotterdam
Não
se sabe ao certo porque o professor Absalão, um protestante fundamentalista,
conhecedor de cor do significado de todos os milhares de nomes bíblicos que
povoam as incontáveis histórias do Sagrado Livro, dera aos seus 12 filhos epítetos
de personagens do livro santo.
Dizem
os mais aproximados a ele que se tratava de tradição familiar quincentenária,
iniciada no tataravô de seu tataravô, para comprovar sua origem judaica da qual
sentia um santo orgulho.
Por
exigência da mulher, contudo, que por seu turno primava em ser uma católica ortodoxa, ao nascer-lhe o primeiro da
numerosa prole, levou-o à pia batismal da igrejinha de sua cidade natal, onde paranifado
pelo piedoso padre Moacir, recebeu o incomum nome de Obede .
Parecia
ter o pai poderes de pitonisa, pois se o significado do esdrúxulo nome é
definir “aquele que serve”, passou realmente Obede toda sua vida servindo, desinteressadamente,
com esfuziante alegria que lhe era inerente, aos mais necessitados da sociedade
moderna – os sofridos e injustiçados operários. Serviço aliás, duro de ser
desempenhado mas que ele executava com afinco e denodo, na qualidade de advogado
trabalhista.
É
do conhecimento de todos que a Lei Trabalhista é benevolente para com o
operário, fugindo assim, ao raciocínio lógico do sofista Cálicles de que a Lei é a vontade do tirano.
Mas,
apesar da assertiva grega de ser justo o
que convém ao mais forte, o Dr. Obede saia-se vitorioso, na maioria de suas
lides a favor de seus constituintes, indiscutivelmente os mais fracos nesse
tipo de contenda.
Mesmo
diante da justíssima sugestão de Santo Agostinho, o bispo de Hipona de que a Lei
deva tratar diferentemente, os socialmente desiguais, havia um grande fosso
cultural, separando as duas partes, dificultando, sobremaneira, o trabalho de
Obede.
De
um lado as matreirices de alguns patrões, tudo contribuindo para anular a
aparente benesse da Lei e, consequentemente tornar árduo o trabalho de Obede,
do outro lado o operário bobo, analfabeto, desconhecedor de seu valor
intrínseco.
Com
o passar do tempo, entretanto, primando por se comportar como intransigente
defensor do operariado, nas frequentes contendas entre patrão e operário,
tornou-se Obede conhecido e próspero advogado, detentor de famosa banca
advocatícia, mesmo tendo optado pelo lado mais fraco da contenda.
Recusara,
em várias ocasiões, quando ainda jovem, tentadoras ofertas para engajar-se em
escritórios de grandes empresas que o compensariam com substancial e invejável salario.
A
todo canto de sereia recusou-se ouvi-lo,
sem desdém, mas com determinismo, mantendo-se fiel aos ditames de seu foro
íntimo que o impelia ao devotamento total aos pertencentes ao
lumpemproletariado, no dizer do jargão marxista.
Certa
tarde reaparece-lhe no escritório, fim de expediente, um cliente operário, praticamente analfabeto,
muito cioso da religião que abraçara - o pentecostalismo -.
Era
desses que se julgam arautos da fé cristã, passando ao exercício intempestivo e
enfadonho da citação automática de alguns dísticos bíblicos, que logo
identificam os seguidores de Lutero, terminando pelo “Deus seja louvado!”. Terminada
a litania indaga ao Dr. Obede pelo seu processo.
Verificadas
as fichas cadastrais de todos os constituintes iniciados pela letra J,
finalmente chega-se à do senhor José Ataliba da Silva Beraldo.
O
Dr. Obede faz uma leitura dinâmica da ficha e abre-se em um agradável sorriso,
afirmando: seu Beraldo, o Juiz deu-nos ganho de causa. Infelizmente seu
ex-patrão recusou-se a pagar, razão porque vou ter que executá-lo.
Seu
Beraldo demonstrou certo grau de alegria, mas depois, entre constrangido pelo
inusitado da proposta que acabara de ouvir de seu advogado e ao mesmo tempo,
querendo um mínimo de Justiça replicou: Doutor eu sou da religião Pentecostal,
assim, não concordo em executar o ex-patrão, muito embora ele o mereça.
Prefiro,
portanto, por causa desta santa religião, que o senhor mande apenas dar uma boa
pisa no homem...