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sexta-feira, 5 de junho de 2020

Por: ana margarida arruda rosemberg - O que fazer na quarentena da COVID-19

Publicado no Jornal do Médico




O QUE FAZER NA QUARENTENA DA COVID-19

Quarentena.  S. f. 1. Período de 40 dias. 2. Espaço de tempo (originariamente 40 dias) durante o qual os passageiros procedentes de países onde há doenças contagiosas graves são obrigados à incomunicabilidade a bordo dos navios ou em um lazareto. 3. Porção, ou número, de quarenta coisas. 4. Bras. Abstinência sexual.
                                                                                       Dicionário Aurélio Buarque de Holanda

Em tempos de pandemia, quarentena, isolamento, distanciamento social e lockdown estão no nosso dia a dia como armas para conter a rápida propagação do agente causal da Covid-19, o vírus Sars-Cov-2 (coronavírus).
Entretanto, o termo quarentena, por ser o mais conhecido, é usado também como sinônimo de distanciamento social.
Segundo o médico infectologista Stefan Cunha Ujvari, autor do livro “A História e suas epidemias”, a quarentena surgiu na Idade Média, durante uma das epidemias da peste bubônica (peste negra).
A Sereníssima República de Veneza, histórica cidade do comércio e das artes, situada na Península Itálica, rota de portos comerciais, foi atingida pela peste negra em inúmeras epidemias, entre 1361 e 1528. Diante da enorme mortalidade e do grande dano à economia causados pela peste, os governantes determinaram que todas as embarcações que chegassem à cidade teriam que ficar afastadas, para que as pessoas que tivessem doentes não desembarcassem.
Os órgãos da República se reuniram e um membro do clero decidiu quantos dias seriam. Como eles achavam que a peste era um castigo divino, o clérigo usou várias passagens bíblicas que tinham 40 dias, 40 anos e estipulou que seriam 40 dias. Daí surgiu a “quarentena”.  Portanto, a quarentena é um isolamento profilático, preventivo.
Em princípio, quando uma pessoa é colocada em quarentena, ela está sadia e sem sintomas da doença, apesar de ter tido contato com um doente ou permanecido em local de surto da doença. A pessoa é colocada em reclusão, afastada do restante da população, como medida de cautela até que seja certificada a integridade de sua saúde.
 A quarentena pode ser individual (para uma pessoa que volta de viagem internacional ou para contatos domiciliares de caso suspeito ou confirmado de coronavírus) ou coletiva (um navio, um bairro ou uma cidade).
O isolamento é diferente da quarentena pois é uma medida aplicada à pessoa doente, para tratamento e restabelecimento de sua saúde, evitando a contaminação de outras pessoas saudáveis de seu convívio. Pode ser em domicílio ou em ambiente hospitalar.
O distanciamento social é a diminuição do relacionamento entre os moradores de uma localidade, e tem como finalidade frear a velocidade de transmissão do vírus. É fundamental para que as pessoas infectadas, assintomáticas ou oligossintomáticas não espalhem o vírus, contaminando pessoas sadias.
No caso da Covid-19, o distanciamento social pode ser ampliado ou seletivo. No distanciamento social ampliado, há o fechamento de escolas, lojas, mercados públicos etc.  O trabalho em casa é estimulado, mas os serviços essenciais são mantidos. No distanciamento social seletivo, somente os grupos de maior risco como: idosos, diabéticos, hipertensos, imunodeprimidos e portadores de outras co-morbidades ficam isolados.
Quando as medidas de distanciamento social, isolamento e quarentena são insuficientes, pode ser necessário o bloqueio total (lockdown).
No Brasil está sendo aplicado, em muitas cidades, o distanciamento social ampliado, comumente chamado de quarentena. Vemos em algumas cidades e até em estados o lockdown.
 Ao menos 1,5 bilhão de pessoas no mundo estão sendo afetadas pelas ações de combate ao coronavírus. Nesta pandemia, está ocorrendo uma quarentena global em centenas de países, ao mesmo tempo. Isso é inédito.
No início desta “quarentena”, as pessoas foram aos poucos se adaptando a uma nova rotina. Muitas encontraram um ritmo, mas outras sentiram tédio e até depressão.
A pergunta que todos fazemos é: o que fazer nessa quarentena?
O mais importante é pensar que tudo vai passar e que o melhor a fazer é aproveitar esse momento para repensar valores e modo de vida. Aqui vão algumas sugestões:
 Colocar a casa em ordem preenche o tempo e dá satisfação.
 Arrumar armários, gavetas e separar roupas e objetos para doar, estimula a solidariedade. Limpar tudo com esmero, mudar o local dos móveis, do sofá, da cama, da escrivaninha, deixa o ambiente mais saudável e bonito.      
Rever fotos antigas, trocar as fotos dos porta-retratos, organizar arquivos de fotos no computador nos faz recordar e reviver.
 Arrumar estantes de livros.  Separar um horário para ler aqueles que comprou e nunca leu, além de reler outros com novo olhar, nos fará mais sábios.
Assistir aos filmes e seriados que ficaram na lista e que, por falta de tempo, não foram vistos, nos dará alegria e prazer.
 Curtir os familiares presencialmente, ou por chamada de vídeos, é sempre divertido e estreita laços afetivos.
 Nessa pandemia, tem pessoas em piores situações que a nossa. Procurar ajudá-las torna-se uma obrigação. Por isso, é preciso ser generoso com os mais vulneráveis.
Ter compaixão com aqueles que perderam seus entes queridos faz bem a psique humana.  Ore, exercite sua fé.  A oração fortalece e é um bálsamo para a dor.
  Cozinhar é um desafio divertido e prazeroso. Para quem nunca se aventurou na cozinha, há vídeos na internet com o passo a passo de como preparar um bom prato.
Lembre-se: cozinhar é uma arte.
Segundo Friedrich Nietzsche: “sem música, a vida seria um erro”.  Aproveitemos para ouvi-la enquanto realizamos tarefas domésticas.     
Estudar; não há melhor investimento do que o conhecimento. A internet oferece muitos cursos gratuitos nesse período de quarentena.
Aprender uma nova língua nos liberta.
Reciclar objetos, que os franceses chamam de bricolagem, é divertido.  A natureza agradece. Montar um escritório em casa, home office, é prático e lucrativo para algumas atividades. Visitar os sites dos museus, deliciando-nos com obras de arte, nos torna mais cultos. Cultivar plantas, mesmo que sejam em uma varanda. Voltaire termina seu livro “Cândido ou o Otimista”, com a seguinte frase: “é preciso cultivar nosso jardim”.
Meditar faz bem à mente. Exercitar-se faz bem ao corpo e à mente.
Pensar e filosofar para sair dessa quarentena com a certeza de que é preciso transformar a sociedade em que estamos mergulhados em outra mais solidária, igualitária, criativa e bela. A sociedade da emancipação humana e do meio ambiente.
ana margarida furtado arruda rosemberg
Fortaleza, 20.5.2020

Por: Marcelo Gurgel - Pestes da antiguidade à pandemia atual

Publicado no Jornal "O POVO" de hoje, 5.6.2020.




quinta-feira, 4 de junho de 2020

POR ALCINET ROCHA: UM SOPRO DE LUZ


 
UM SOPRO DE LUZ

Existia um lugar sombreado
Onde a noite a manhã
perseguia
A tarde em outra noite  encostava
Num balé ondulante alternado
Em meio ao tempo que lento seguia

Mornas ondas pulsantes  geravam
Uma Ciranda de Roda  constante
Ao balanço vocal de um anjo
Que com as mãos de 
carícia entoava
Cantilenas suaves, distantes

A promessa em doce umidade
Inundada de fresco sustento
Inebriava ante a felicidade
De tomar-se a vida 
nos braços
Quando o tempo  coroasse o momento

Chega a (boa) hora
de fazer escoar
A amniótica água do amor
Trocar a dor pelo riso profundo
O lamento pelo fértil louvor
E doar o fruto
à luz viva do mundo.

 Alcinet Rocha é médica sanitarista e hematologista, primeira secretária da SOBRAMES/CE

segunda-feira, 1 de junho de 2020

EXCLUSIVO: Artigos de sobramistas são destaque em revista digital

Olá sobramista,
Boa tarde.
A revista digital do Jornal do Médico, coordenada pelo nosso sobramista Argollo, traz os artigos dos sobramistas Ana Margarida, Isaac Furtado, José Maria Chaves, Marcelo Gurgel, Paôla Torres e Renato Evando, com opiniões e relatos sobre a pandemia do coronavírus.
Outros conteúdos exclusivos podem ser conferidos sobre:
• Obesidade
• COAPH Saúde
• Saúde do Idoso
• Unimed Fortaleza
• Desafios da Oftalmologia
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Capa: Aspectos Éticos durante e após a pandemia de COVID-19
Realização: Jornal do Médico
PS. Saúde em Pauta, toda sexta, às 18h, no YouTube, o canal do Jornal do Médico traz entrevistas exclusivas com renomados profissionais, esclarecendo informações sobre medicina e saúde! Assista gratuito!
Josemar ARGOLLO
Profissional de Marketing
MBA em Comunicação e Mídias Digitais (Estácio)
Membro Honorário SOBRAMES Regional Ceará

WhatsApp: [85] 9.9779.6870

sábado, 30 de maio de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (62º dia)

Diário de uma quarentena (62º dia)
Sentimental demais
Por Arruda Bastos

Nesse sábado, dia 30 de maio de 2020, acordei meio atordoado depois de uma noite conturbada, com muitos pesadelos. A causa de tanta apreensão é o sentimento de que a flexibilização divulgada pelo governo para segunda-feira é um erro e que não foi a melhor decisão, pois considero precipitada, como escrevi na crônica “Devagar com o andor, que o santo é de barro”.

Logo depois de abrir os olhos e me espreguiçar, escutei baixinho os acordes da música “Sentimental Demais” na voz inconfundível Altemar Dutra. O som do celular da minha querida Marcilia aguçou ainda mais meus sentidos fazendo eu escutar o que ela sussurrava: “O Brasil perdeu, vítima da Covid-19, um de seus grandes artistas: o cearense Evaldo Gouveia”.

Confesso que, como fã das suas composições, de início não acreditei. Os grandes clássicos do artista como “Sentimental Demais”, “Brigas”, “O Trovador”, “Que queres tu de mim” e tantos outros, embalaram momentos de grande sentimento na minha vida, principalmente quando muito jovem.

A triste notícia abalou meu coração e me fez procurar nas inspiradas letras das suas músicas a solução para a minha falta de ânimo nos últimos dias. A Covid também não tem dado trégua, afetando muitos amigos e levando a óbito um alvinegro de quatro costados, o que me abalou muito.

Depois do café, fui ao computador para escutar as músicas de maior sucesso de Evaldo Gouveia. Lembrei-me do seu principal parceiro, Jair Amorim, também falecido, e acessei sites dos saudosos cantores Altemar Dutra e Nelson Gonçalves, dois dos grandes intérpretes do protagonista de hoje.

Resolvi, então, depois de me emocionar escutando várias músicas, fazer essa homenagem e trazer para os mais jovens as composições que, agora, eternizam-se. Para os da terceira idade, é a oportunidade de recordar de alguns momentos inesquecíveis, de um passado distante e que não volta mais.
Vou iniciar com “Sentimental demais”: Sentimental eu sou, eu sou demais. Eu sei que sou assim, porque assim ela me faz. As músicas que eu vivo a cantar tem o sabor igual. Por isso é que se diz, como ele é sentimental. Romântico é sonhar. E eu sonho assim, cantando estas canções. Para quem ama igual a mim e quem achar alguém como eu achei, verá que é natural ficar como eu fiquei, cada vez mais sentimental.

Agora vamos cantar “Brigas”, outro grande sucesso: Veja só, que tolice nós dois brigarmos tanto assim. Se depois vamos nós a sorrir, ficar de bem no fim. Para que maltratarmos o amor. O amor não se maltrata, não. Para que, se essa gente o que quer é ver nossa separação. Brigo eu, você briga também, por coisas tão banais. E o amor em momentos assim, morre um pouquinho mais. E ao morrer, então, é que se vê, que quem morreu fui e foi você, pois sem amor, estamos sós, morremos nós.

“Alguém me disse” bate forte na lembrança de muita gente: Alguém me disse que tu andas novamente de novo amor nova paixão toda contente. Conheço bem tuas promessas, outras ouvi iguais a essas. Este teu jeito de enganar, conheço bem. Pouco me importa que te vejam tantas vezes e que tu mudes de paixão todos os meses; Se vais beijar, como eu bem sei fazer sonhar, como eu sonhei, mas sem ter nunca amor igual ao que eu lhe dei.

Finalizando e imaginando a voz de Altemar Dutra, “O trovador”: Sonhei que eu era um dia um trovador dos velhos tempos que não voltam mais. Cantava, assim, a toda hora as mais lindas modinhas de meu tempo de outrora. Sinhá mocinha de olhar fugaz se encantava com meus versos de rapaz. Qual seresteiro ou menestrel do amor a suspirar sob os balcões em flor na noite antiga do meu Rio. Pelas ruas do Rio eu passava a cantar novas trovas em provas de amor ao luar e via então de um lampião de gás, na janela a flor mais bela em tristes ais.

Para concluir, deixo o meu sentimento para a família e para os fãs do Evaldo Gouveia e, em seu nome, vai a minha solidariedade para os familiares e amigos das mais de 26 mil vítimas e as mais de 400 mil pessoas infectadas pelo Coronavírus em todo o Brasil. Que Deus proteja e conforte a todos.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Essa foi a do dia 62. #FiqueEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES – CE.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

POR SEBASTIÃO DIÓGENES: Saga de uma família em extinção


                                                     
                                                 Saga de uma família em extinção

Encontrava-me no gabinete de estudos lendo a “Servidão humana”, de Somerset Maugham, quando uma conversinha na prateleira da estante começou a me retirar a concentração. Corri a vista onde estavam os dicionários. Nada parecia de anormal. Voltei à leitura, e o diálogo entre duas pessoas me tornou a perturbar. Olhei novamente as prateleiras. Desta vez, flagrei o amigão Aurélio aberto, com suas páginas agitadas por algum fenômeno que não compreendia. Logo depois, constatei que se tratava de uma reunião de família, e que havia desgosto na fala de alguns de seus membros. Chamou-me atenção a elegância de uma senhora bem velhinha, vestida com o rigor que a sua época impusera. Apresentou-se a mim como “Senhora de idade secular”. Frente a frente a esta, encontrava-se um adolescente esperto, comunicativo, cheio de intimidades. Eles haviam trocado algumas palavras, aquela conversinha que me incomodara. De repente, vi lágrimas banhando o rosto da Senhora de idade secular.
-  Por que cê está chorando? – perguntou o adolescente esperto.
 Ela não respondeu, dobrou o pranto. Havia uma profunda amargura no seu semblante. Julguei desaforo o modo de o rapazinho tratar a Senhora de idade secular. Ele havia usado o pronome de tratamento “cê”, que lhe era desconhecido e, ao mesmo tempo, inadequado para gente da categoria dela.
- Qual é o seu nome, garoto? – perguntou a anciã, ainda em choro convulso.
-  Meu  nome é Cê – respondeu o garoto.
- Por que a sua mãe escolheu esse nome monossilábico? – perguntou com curiosidade, a elegante senhora.
- Minha mãe diz que é a forma de tratamento que o povo, de pouca escola, gosta de usar. Não gasta tempo para pronunciar. “A voz do povo é a voz de Deus”, é o ditado popular que minha mãe gosta de usar para se defender das zombarias que algumas pessoas intolerantes fazem por causa do meu  nome.
- Com perdão da pequena palavra, Cê é filho de quem?
- Sou filho de Ocê – respondeu Cê. – A minha mãe é da mesma forma de tratamento que a minha pequena pessoa.
- Cê, me faça o favor de trazer sua mãe aqui! Tenho muita vontade de conhecê-la – pediu a Senhora de idade secular. 
- É pra já! A senhora vai já conhecer Ocê, minha mãe. Ela tem idade de ser sua trineta – completou Cê. Ele grita a todo pulmão.  - Mãe venha aqui, tem uma senhora que quer conhecer ocê!
- Então, Ocê é a mãe de Cê? – perguntou a Senhora de idade secular.
- Sou eu mesma – respondeu Ocê.
- Tão nova, e já tem um rapazinho! – admirou-se a Senhora de idade secular. – Como é o nome da sua mãe?
- O nome da mamãe é Você – respondeu Ocê.
- Ocê, eu quero conhecer sua mãe. Faça-me o favor de trazê-la até aqui! – pediu a Senhora de idade secular.
- Cê, meu filho, vá chamar sua avó!  – ordenou Ocê, filha de Você. Cê sai correndo e logo depois retornou com a vovó Você.
- Você, que prazer conhecer você! Sua filha Ocê e seu neto Cê são pessoas dadas, tratam-me com intimidade, o que me deixam meio sem jeito – observou a Senhora de idade secular.  – E sua mãe como se chama, Você? – indagou a misteriosa senhora.
- Vosmecê, é o nome de minha mãe – respondeu Você. – A senhora deseja conhecê-la? –  indagou Você.
- Seria uma honra para esta esquecida velha conhecer Vosmecê, a sua mãe – respondeu a Senhora de idade secular.
Você mandou sua filha Ocê chamar a sua mãe, Vosmecê, que é naturalmente a avó de Ocê.
- Senhora, aqui está a minha mãe, Vosmecê – apresentou Você. Ela é avó de minha filha Ocê e bisavó de meu neto Cê, que lhe foram apresentados – completou Você.  
- Encantada! – disse sorrindo. – Vosmecê, por favor, de quem  vosmecê é filha? – indagou a Senhora de idade secular.
- Sou filha de Vossemecê. Infelizmente, convivi pouco com a minha mãe – respondeu Vosmecê. – Ah! Como gostaria de conhecer Vossemecê! – exclamou a Senhora de idade secular. – Pois, providenciarei para satisfazer o desejo de vosmecê  – tranquilizou Vosmecê.
Vosmecê mandou Você chamar a sua mãe, Vossemecê, que naturalmente é a avó de Você. Vossemecê ao ver a Senhora de idade secular teve uma forte emoção, lágrimas correram pela face, e com a voz embargada, exclamou:
- Mamãe! Mamãe! Sou eu, sua filha, Vossemecê! Vossa Mercê não se lembra de mim? – indagou a filha em prantos.
- Tenho uma vaga lembrança de Vossemecê, minha filha, mas o tempo me tem estragado a memória – falou Vossa Mercê, e continuou. - Ademais, vivo em estado de dicionário há anos e anos. Uma espécie de asilo para idosos. Tornei-me inútil. Tudo começou quando Vossemecê nasceu, e aos poucos vossemecê foi ocupando o meu lugar. O tempo é impiedoso, e a sua vez não tardou chegar. Quando a filha de vossemecê nasceu, a menina Vosmecê, foi também aos poucos nos ocupando os  lugares nas gramáticas, na literatura, na boca do povo.  E assim, a cada nascimento de um novo rebento da nossa linhagem, seus ancestrais vão perdendo a utilidade e os descendentes vão ficando mais pobres de fonemas.  Veja o caso de meu bisneto Você, filho de Vosmecê. No momento, ele está bem, goza do prestígio dos gramáticos, classificam-no como pronome de segunda pessoa, não obstante, na harmonia verbal, comporte-se como se fosse gente de terceira. Você é bastante utilizado na linguagem escrita e falada, mas, temo pela sorte dele ao longo do tempo. Basta observar a evolução histórica da família, e o que está ocorrendo com a lastimável descendência de Você: a filha é Ocê e o neto, Cê. São nomes abonados pelo Aurélio, mas não o são pelo VOLP. Portanto, nada nos garante que a nossa dinastia alcance mais um século de existência. Eu, Vossa Mercê, da qual a árvore genealógica se originou, sofro a perda dos meus ramos nas gerações sucessivas. E para este infeliz neto de Você, restou um mísero fonema: Cê. Declaro  encerrada a reunião. Com licença, vou me recolher aos aposentos. Cê, tome a bênção à sua tataravó – recomendou Vossa Mercê. 
- Tchau, Vossa Mercê!
Sebastião Diógenes
27-05-2020