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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

POR ANTERO COELHO NETO - A MEMÓRIA DAS INSTITUIÇÕES

Dr. Antero Coelho Neto - Médico e membro da SOBRAMES-CE

                A MEMÓRIA DAS INSTITUIÇÕES

Publicado In: O Povo, 20/02/2013.

Tenho participado de várias instituições brasileiras que se destacaram e ganharam um passado importante e até histórico. Também tenho conhecido, convivido e sido integrante de várias instituições internacionais de grande significado mundial, o que me permite fazer as comparações.

Da mesma maneira que a nossa Memória Individual, com seus diferentes tipos e manifestações, como tenho já destacado para vocês verificamos, com tristeza, a pouca importância que nós brasileiros damos para a preservação dos fatos, atos e passado de nossas instituições. E mais, a pouca importância que damos, também, para os seus planejadores, criadores e administradores posteriores das instituições públicas e, principalmente, privadas.

Temos tido uma melhoria nos últimos anos, principalmente nas memórias das instituições públicas, sociais e culturais, mas ainda muito insuficiente para os critérios internacionais.

Nas instituições privadas, ditas particulares, a falta de valorização e perpetuação dos fatos acontecidos e das pessoas envolvidas é muito grande. Muitas vezes fica apenas conservada e valorizada a figura de seus Criadores. Esquecem que estão perdendo uma grande oportunidade, quando bem feito esse destaque, uma maneira importante de engrandecer a Instituição e torná-la mais conhecida e valorizada pela sociedade em geral. Comprovei que, em algumas delas, é até muito triste essa prática.

Fiz parte de duas instituições internacionais públicas, não governamentais, que destacam enormemente essa cultura de perpetuação de suas Memórias: a Fundação Kellogg e o Rotary Clube. E aí comprovei a importância dessa Memória Institucional, valorizando os seus criadores e também seus dirigentes e seguidores posteriores.

W.K.Kellogg e Paul Harris. doaram grande parte de seus tempos e fortunas para o benefício da humanidade, mas com destaque dirigido para as criações e seguidores posteriores. Seus projetos e programas, desenvolvidos em quase todo o mundo, são planejados e executados por dirigentes e seguidores conscientes de suas  responsabilidades e valores.

Daí a grandeza alcançada pelo verdadeiro amor que os seus seguidores tem pelo que projetam, fazem e dignificam.

Sinto um grande orgulho de ter participado dessas instituições, que são tão importantes para os nossos povos, que tenho de reconhecer que muito mais eu poderia e deveria ter dado para elas.

E aí, criadores e dirigentes das instituições brasileiras, vamos pensar no que os profissionais da informação chamam de Sociedades do Esquecimento? Garantimos para vocês: “elas não valem a pena”. O Futuro vai provar o que digo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

POR WILLIAM HARRIS - INSTANTES E JORGE LUIS BORGES



Dr. William Harris



Alguns esclarecimentos sobre INSTANTES 1
  e mais um pouco sobre Jorge Luis Borges (1899-1986)

WILLIAM MOFFITT HARRIS 2

Fui, durante alguns anos, diretor e editor da Revista Brasileira de Saúde Escolar da Associação Brasileira de Saúde Escolar - ABRASE, criada por mim quando presidente da entidade e, consequentemente, responsável pelos seus primeiros três volumes (1990, 1992 e 1994), num total de sete fascículos. À página 197, do Volume 3, coloquei o belo poema INSTANTES atribuído ao poeta argentino Jorge Luis Borges. Retifiquei a autoria, posteriormente, mediante uma corrigenda, face ao artigo escrito pelo ex-acadêmico (ABL) Moacyr Scliar (RIP), no jornal Folha de S. Paulo, em seu caderno dominical Mais!, publicado em 17 de dezembro de 1995. Nele, o escritor esclarecia que o poema seria de Nadine Stair, tendo sido publicado, originalmente, numa antologia da Bantam nos EUA.3
Ainda, de acordo com o artigo de Moacyr Scliar, o texto aparecera na Argentina com a autoria trocada, em 1986, na revista Uno Mismo, cujo proprietário, em 1993, sob pressão da viúva de Borges, Maria Kodama, chegara a fazer a devida retificação, mas sem qualquer repercussão. Por ocasião do artigo de Scliar, a questão estava em demanda judicial na Argentina, uma vez que a mencionada viúva não estava de acordo com o teor do poema como representante fiel do pensamento de Jorge Luiz Borges. Não tenho a menor idéia de como ficou aquela questão jurídica. Em entrevista recente ao jornalista Antonio Gonçalves Filho, por telefone, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, esta senhora informou que nunca processou jornalista algum e que não existem estudos sérios e confiáveis sobre a personalidade, os sentimentos e a obra de Borges. Disse, ainda, que ela é a única herdeira de seus pensamentos e sentimentos íntimos, desde quando foi sua aluna na universidade e durante os muitos anos em que viveram juntos até seu falecimento. Há, inclusive, obras de Borges, algumas das quais inacabadas, que ele, em vida, não deu autorização para sua publicação. Apesar das críticas recebidas, Maria Kodama republicou obras que Borges pretendia algum dia revisar e complementar, e sobre as quais discutira com ela alguns pormenores. Respondendo ao jornalista durante a entrevista afirmou “... Todas as pessoas que falam, dizem e inventam só falam, dizem e inventam. A realidade só eu sei”. Indagada se supervisionaria as edições em português, foi categórica “Não, porque não falo a língua.” Mais adiante, filosofando afirmou “... Quando leio Borges, não leio o homem que me amava e que eu amo, leio como uma leitora que está diante da obra de um grande autor.”4
Pesquisando na Internet, em torno de 2003, verifiquei na época que existia na literatura mundial mais de duas mil citações bibliográficas tangentes a Nadine Stair. Fixei-me, temporariamente, num artigo de quinze páginas para me atualizar e repassar alguns dados aos prezados companheiros sobramistas. O aludido artigo poderá ser acessado pelos interessados: IVAN ALMEIDA. Jorge Luis Borges, autor del poema InstantesBorges Studies on Line. On Line. J. L. Borges Center for Studies & Documentation. Internet: 17/06/2001
Borges Studies on Line é um suplemento eletrônico do Journal Variaciones Borges, editado pelo J. L. Borges Center for Studies & Documentation da Universidade de Aarhus da Dinamarca. Para correspondência pessoal o endereço eletrônico é: borges@hum.au.dk
Tentei, a seguir, esboçar uma resenha parcial do artigo de Ivan Almeida.
O autor, em suas pesquisas, encontrou mais um contemporâneo de Borges que teria sido o escritor inicial do texto em discussão e afirma ter havido plágios sucessivos, uma vez que a primeira versão do conteúdo do poema foi publicada em 1953 (e aqui, deixo claro que existem muitas versões e variantes de Instantes ou Momentos sendo que a da Nadine Stair tinha outro título “If I had my life to live over”). Na edição de outubro de 1953 do Reader’s Digest (Seleções, em inglês) o caricaturista americano Don Herold o publicou, segundo Ilza Carvalho em mensagem eletrônica ao autor Ivan Almeida, aos 11 de fevereiro de 1999, autoria esta confirmada pela filha do Herold, Doris Herold Lund.5
Por ocasião da publicação daquele artigo, Borges tinha 54 anos e Stair 55. O texto está em prosa e seu conteúdo transcende ao que está exposto no poema atribuído a Borges e Stair, tanto em número de colocações quanto às comparações metafóricas. No canto em cima estão, em itálico, o título do poema de Nadine Stair... “If I had my life to live over...“ (Se eu pudesse viver novamente minha vida...) e mais embaixo em letra maior, o título I’d pick more daisies. (Eu colheria mais margaridas).
No trabalho de Ivan Almeida, não há menção à publicação de 1986, na Argentina, citada por Scliar e aponta, como sendo a primeira menção à autoria de Borges, o próprio texto “Instantes” publicado às páginas 4 e 5 do número de maio de 1989, da revista mexicana Plural (fundada por Octavio Paz em 1971).  O artigo do escritor Mauricio Ciechanover, expondo o poema atribuído a Borges (1899 - 1986), intitula-se Un poema a pocos pasos de la muerte.
No livro Todo Mexico, da autora Elena Poniatowska, editado em 1990, há um capítulo de 45 páginas inteiramente dedicado a Jorge Luis Borges, fruto de uma entrevista feita em 1976. Durante a mesma, Poniatowska informa que enquanto conversavam de Bernard Shaw a Joseph Conrad e antes de passarem a discutir a respeito de Tolstoi, Dostoievsky, Balzac e Proust, ela recitou Instantes e El remordimiento de autoria de Borges. Relata a seguir a reação dele: “Que me importa ter sido desditoso ou feliz? Isto se passou há tanto tempo... Estes poemas são demasiado imediatos, autobiográficos; são remorsos!”
Analisando a época em que se teria dado esta entrevista, Borges nunca poderia ter estado com 85 anos de idade. Segundo Rafael Olea Franco - continua Ivan Almeida - apesar de a autora ter informado em seu livro o ano de 1976 como sendo o da entrevista, na verdade Poniatowska já havia a publicado, em seriado, em 1973, no jornal Novedades, nos dias 9, 10, 11 e 12 de dezembro. No entanto, segundo os estudiosos, El remordimiento (O remorso) só veio a público pela primeira vez no periódico bonaerense (portenho) La Nación, em 1975.
Maria Kodama, viúva e editora das obras de Borges, no prólogo de seu volumoso datado de 1995, Borges en la Revista Multicolor, critica as pessoas que, por ignorância, segundo ela, em nada analisaram o estilo e o conteúdo do poema Instantes atribuído erroneamente a Borges. A linguagem seria por demais infantil e de forma contraditória à mensagem dos princípios que Borges sustentou durante toda sua vida.
O primeiro registro da autoria de Nadine Stair tangente a Instantes é de 1978, no periódico Family Circus (27 de março de 1978, página 99), portanto, dois anos após a entrevista noticiada por Poniatowska em seu livro de 1990. O texto foi sofrendo várias modificações à medida que foi sendo impresso em camisetas em campanhas paroquiais.
As versões para o português e castelhano deixam muito a desejar e a situação piora quando o reverso acontece mais adiante, por ocasião da tradução para o inglês, feita pelo poeta escocês Alistair Reid, do texto Instantes atribuído a Jorge Luis Borges (segundo Almeida). Embora se assemelhem quanto ao conteúdo, estas duas versões em língua inglesa diferem bastante entre si.
Eu gostaria, no entanto, de recomendar aos interessados que copiassem da Internet o artigo de Ivan Almeida, porque é interessantíssimo e muito rico em detalhes verdadeiramente “sherloquianos”. O texto, datado de 2003, vem acompanhado de uma bibliografia apreciável e notas do autor.
Outro admirador de Borges é o acadêmico santista AMILCAR FERRÃO PINTO que descreve numa das edições de SANTOS, Arte e Cultura haver muito se sensibilizado com as evocações sentimentais do passado; “... poemas comoventes que falam dos arrabaldes, dos pátios de sombra, dos velhos cemitérios, do casarão monótono, imagens repassadas de ternura nostálgica”. Guardou versos que repetia em silêncio “As ruas de Buenos Aires / já são minhas entranhas. / Não as ávidas ruas, / incômodas de turba e agitação, / mas as ruas entediadas do bairro, / quase invisíveis de tão habituais, / enternecidas de penumbra e do ocaso...” Em outro trecho diz “... ele, cego, é que eu sentia conduzir-me como num sonho em que apareciam quadros de sua mitologia: espelhos múltiplos, labirintos, seres quiméricos, atlas de povos antigos, coleções de espadas, tigres de ouro...” 6, 7
Borges nasceu em 24 de agosto de 1899, em Buenos Aires, no subúrbio periférico e pobre de Palermo, cenário de muitos dos seus trabalhos. Seu pai era professor de um escola inglesa e tinha uma ampla visão querendo sempre um futuro brilhante para seu filho.  Fê-lo ler Hukleberry Finn, Dom Quixote, novelas de H.G.Wells, Mil e Uma Noites e outros. Desde cedo, Borges percebeu que seguiria uma carreira literária. Na véspera da Primeira Guerra Mundial, em 1914, sua família se mudou para Genebra, onde aprendeu francês e alemão. Recebeu seu grau de “Mestre em Artes” no Collège de Genève. Em 1919, terminada a guerra, a família passou um ano em Majorca e um ano na Espanha, onde ele se uniu a um grupo radical que se rebelava contra o que denominavam “a decadência da geração de escritores de 1898”. Em 1921, voltaram a Buenos Aires. Deixou um pouco de lado a timidez por ficção, escrevendo também sobre aspectos históricos de países da América do Sul, além de uma biografia que foi bem aceita (Evaristo Carriego). Foi nomeado para um alto cargo na Biblioteca Municipal. 7
Sofreu um acidente grave que o deixou parcialmente surdo, com dificuldades para falar e mentalmente um pouco perturbado. Isto ocorreu no ano em que seu pai faleceu, 1938.
Borges, além de Dante, Shakespeare e Virgílio, tinha um gosto especial por contos policiais, de ficção científica e fantásticos, mas possuía, de acordo com alguns analistas, certa postura aristocrática, talvez pela sua formação européia, com alusões à cultura dos antigos romanos e gregos e até demonstrava um certo desapreço concernente a nomes consagrados do mundo literário. Negava influência de outros em seus escritos. Dizia sempre: “Tudo que escrevi tem a virtude de ter sido espontâneo”.  Como parte de sua filosofia de vida, considerava em relação à poesia que “... ela deve dar-nos a impressão não de descobrir algo novo, mas de descobrir algo esquecido.” 6
Sofreu perseguição política por incompreensão de suas idéias que provocavam grandes polêmicas. Criticava abertamente os políticos e a democracia representativa. Foi, inclusive, afastado da direção da Biblioteca Nacional pela ditadura de Juan Perón, em 1946, por ter expressado apoio aos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Neste período, foi muito ajudado por amigos e admiradores que lhe arrumaram aulas, conferências e serviços de tradução. Em 1952, foi publicada uma coleção de ensaios de sua autoria, escritos entre 1937 e 1952, em que demonstrou estar em plena forma analítica. Com a queda de Perón, em 1955, foi nomeado para o cargo honorário de Diretor da Biblioteca Nacional e também professor de literatura inglesa e americana da Universidade de Buenos Aires. 6, 7
Nesta época, já estava totalmente cego, como se pai, devido a uma afecção genética que, a partir de 1920, teve seu processo iniciado quando Borges tinha apenas vinte e um anos de idade. Foi quando abandonou a escrita e passou a ditar seus textos para sua mãe, secretárias e amigos. Mais tarde, esta função foi assumida por sua aluna e depois esposa e editora Maria Kodama.7
Em 16 de abril de 1999, foi organizada na Universidade de São Paulo, mais especificamente pela área de espanhol da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, uma mostra de obras de Jorge Luís Borges em comemoração ao centenário de seu nascimento (24 de agosto). Esta mostra passou por  vários espaços em São Paulo, mormente no anfiteatro de Geografia da USP, no Instituto de Estudos Brasileiros, no Museu de Arte Moderna – MASP. Neste último, no dia 15, a Editora Globo lançou o segundo volume de suas obras completas. Neste volume, publicaram-se traduções de muitos poemas de Borges, feitas por Leonor Scliar Arrojo. Comentando as dificuldades encontradas por qualquer tradutor, Leonor disse: “Uma das grandes dificuldades é a diferença entre o sistema vocálico do espanhol e do português. O primeiro tem cinco vogais orais e o português sete, embora o alfabeto seja o mesmo. Isso às vezes trai o tradutor. Também a prosódia é bem diferente: o acento tônico em espanhol não cai na mesma sílaba que em português, o que causa problemas para a métrica.” 8, 9
Vários estudiosos e apologistas do argentino proferiram palestras sobre ele, entre os quais João Alexandre Barbosa (Borges, leitor de Quixote), David Arigucci Jr. (Borges e a Experiência Histórica), Júlio Pimentel Filho, professor do Departamento de História da USP, (Uma Poética da Memória), especialistas da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, das Universidades Federais de Santa Catarina e Minas Gerais, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, além de outros estudiosos que vieram da Argentina e Colorado e da própria USP. Neste contexto destaca-se o que comentou Júlio Pimentel Filho: “... Borges foi mais um memorioso do que um historiador, mas para se lidar com a memória precisa, inevitavelmente, circular no mundo da história.... Borges ‘recusa’ a história não porque descarte suas implicações críticas, nem porque esteja concentrado no ofício da imaginação, mas pelo risco que esta história representa de, pela historização dos artifícios da memória, dissolver o espaço da lembrança.” 8
MINHA CONCLUSÃO FINAL: Uma boa tradução do artigo original de 1953 teria sido muito melhor para a comunidade literária internacional:
DON HERALD. I’d pick more daisies. (Eu colheria mais margaridas), Reader’s Digest (Seleções), Outubro de 1953. Página 71


1 – Baseado nos textos originalmente apresentados em 15 de julho de 2004 na 168a Pizza Literária da SOBRAMES-SP e publicados em Ressonâncias Literárias (Antologia 2009). Fortaleza: SOBRAMES-CE, 2009. p.219 e A Presença Literária do MMCL – Vol.2 do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário. (Organizadores) William Moffitt Harris e Alitta Guimarães Costa Reis.  Itu-SP: Ottoni Editora, 2010.

2 - Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade de Saúde Pública – USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Membro Titular ativo da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003, nível central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS. Membro Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP. “Padrinho” do MLSS - Movimento Literário Saberes e Sabores de S. Gonçalo do Sapucaí – MG.

3 - Existiria um exemplar da Rev. Bras. Saúde esc., Vol. 3, na biblioteca da SOBRAMES-SP

4 - GONÇALVES, A., FILHO – Borges, Completo e Novo. O ESTADO DE S. PAULO, Caderno 2, Ano XXVI, No 1.413, 25 de novembro de 2007.

5 - Tenho um exemplar daquele número do Reader’s Digest, do qual herdamos bela coleção (um pouco incompleta) do meu pai. O artigo é: DON HERALD. I’d pick more daisies. (Eu colheria mais margaridas), Reader’s Digest, Outubro de 1953. p. 71)

6 - PINTO, A. F. – Impressões Sobre Borges. SANTOS, Arte e Cultura. Santos-SP: (Editor: Cláudio de Cápua). Ano II, janeiro de 2008. p.16

7 - The New Encyclopaedia Britannica. By Encyclopaedia Britannica Inc., 15th ed., 1980. Chicago/London/Toronto/Geneva/Sydney/Tokyo/Manila/Seoul.   - Printed in U.S.A.   
Macropaedia, Vol.3 p.40 e 41

8 - PINTO, J. P. – In: ROLLEMBERG, M. & CAMPOS, M. O bruxo centenário. Jornal da USP (26 de abril a 2 de maio de 1999). São Paulo, 1999. p. 14

9 - ARROJO, L. S. – In: ROLLEMBERG, M. & CAMPOS, M. O bruxo centenário. Jornal da USP (26 de abril a 2 de maio de 1999). São Paulo, 1999. p. 14e

POR WILLIAM HARRIS - OS DOIS SELINHOS



Dr. William Moffitt Harris

OS DOIS SELINHOS 1
William Moffitt Harris 2

              Não me recordo do tamanho, do formato, da cor ou do valor dos dois selinhos, mas pela sua importância dentro do contexto histórico de minha família, vale à pena contar o que aconteceu.
              Morávamos em São Paulo, na Travessa Bury. Ficava entre a Rua Minas Gerais e a Rua Sorocaba, no fim da Avenida Paulista, onde se desce para o Pacaembu. A casa era alugada e lá a família permaneceu desde o casamento dos meus pais em 1934 até 1957. Havia doze casas na nossa rua e mais uma dúzia na rua de baixo, que foram construídas na mesma época e pertenciam a dois irmãos: Guilherme e Bento Rehder. Fui, quando criança, inúmeras vezes ao escritório destes dois senhorios, na Rua São Bento, no centro, acompanhando minha mãe para pagar o aluguel.3
             Além da formalidade comercial, o Sr. Guilherme esteve algumas vezes em casa ajudando meu pai a catalogar sua coleção. Faziam trocas de pequeno porte, geralmente selos ingleses por selos alemães, devido à correspondência que ambos mantinham com familiares na Europa. Não faltava o chá e torradas ou o delicioso pão-de-ló que Mamãe fazia e que meu pai teimava em chamar de sponge cake (bolo-esponja). Deste interesse por selos, nasceu uma amizade duradoura que perdurou até o falecimento dos irmãos Rehder, seguramente trinta anos mais velhos que meu pai. Eu me debruçava sobre a mesa da sala de jantar tentando acompanhar a conversa dos dois. Discutiam a valer sobre a época e localização de determinados países ou pedaços de países que haviam mudado de “proprietários”. A cada mudança, nova emissão. Eu não entendia nada, pois era bem pequeno, mas Papai fazia questão de apontar no atlas, muitas vezes com suas fronteiras rabiscadas com seus redesenhos, onde ficavam aqueles países. 
             O Sr. Guilherme e seu irmão eram brasileiros e falavam mal o alemão; meu pai, menos ainda, além de misturar com um pouco de iídiche. Não o praticara havia mais de vinte anos e a maioria de seus poucos amigos judeus, em São Paulo, preferia falar o inglês e o português, possivelmente devido ao terror nazista na época getuliana. Lembro-me deles discutirem sobre a pronúncia correta de Schleswig-Holstein, Liechtenstein, Luxembourg, Alsace-Lorraine e outros. Estes detalhes ficaram na minha memória, porque o velho vivia repetindo estes nomes.
              Havia a questão dos dois selinhos. O Sr. Guilherme pediu, implorou diversas vezes para que me pai os vendesse para ele. Eram selos relativamente antigos e que faltavam numa determinada série brasileira de sua coleção. Não se achavam mais em filatelistas comerciais. Meu pai, desconfiado como sempre, pensava que deviam valer muito mais do que seu amigo estava oferecendo, o que não era pouco. Recusava-se a se desfazer dos selos. Falava ainda que, um belo dia, iriam valer uma fortuna, o que ajudaria a família a adquirir seu próprio imóvel.
              Com o afundamento de oito navios brasileiros nas costas da Bahia, em 1942 (ainda não se tem absoluta certeza por quem), entramos na guerra contra o Eixo por pressão dos Estados Unidos e, para selar a definitiva e clara aliança, esteve nos visitando, naquela época, o Presidente Franklin Delano Roosevelt. Os americanos pretendiam, assim, de forma diplomática, assegurar seu posicionamento em Fernando de Noronha para fins de abastecimento de seus aviões. Getúlio Vargas, sabendo que o Presidente americano era aficionado por filatelia e para agradar o visitante, resolveu presenteá-lo com uma coleção completa de selos brasileiros, incluindo o olho-de-boi. Recorreu ao conhecido colecionador Guilherme Rehder, oferecendo pagar-lhe uma boa quantia oriunda dos cofres públicos. O velho Guilherme ficou profundamente envaidecido e, sentindo-se muito honrado por ter sido escolhido, recusou o pagamento.4
            Procurou antes meu pai, oferecendo desta vez uma quantia bem maior para que meu velho abrisse mão dos dois selinhos. Colocou a situação tocante ao Presidente Roosevelt e que, realmente, não gostaria que a coleção fosse passada adiante de forma incompleta. Meu pai,  estarrecido com o fato de o Sr. Guilherme haver se recusado a receber o dinheiro de Vargas pela coleção, não teve qualquer dúvida. Doou, imediatamente, os dois selinhos para o conjunto.

1 - Publicado em 12/01/06 no Nº 269 do Jornal Virtual da SOBRAMES (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores) e apresentado nas seguintes reuniões do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário MMCL: 4a em 11/02/06 (1a reunião do Núcleo de S. Caetano do Sul-SP); 28a em 16/12/2006 (4a reunião do Núcleo de Sorocaba-SP); na 49ª em 25/08/2007 (2ª do Núcleo de S. Bernardo do Campo-SP); na 50ª em 01/09/2007 (4ª do Núcleo de Taubaté-SP) e na 64ª em 06/12/2007 (4ª do Núcleo de Ribeirão Preto-SP). Publicado em A Presença Literária do MMCL (2005 a 2008). Organizadores: William Moffitt Harris e Alitta Guimarães Costa Reis. Itu-SP: Ottoni Editora, 2008. p.109

2 - Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade de Saúde Pública – USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Membro Titular ativo da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003, nível central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS. Membro Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP. “Padrinho” do MLSS - Movimento Literário Saberes e Sabores de S. Gonçalo do Sapucaí – MG.

3 - A partir de 1970 foram mudados, respectivamente, os nomes da Travessa Bury para Rua Marcelino Ritter e da Rua Sorocaba para Rua Prof. Ernst Marcus.

4 – Foi nesta ocasião que o Presidente Roosevelt doou uma de suas bengalas ao Professor Godoy Moreira, Diretor da Clínica Ortopédica e Traumatológica – COT do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Esta bengala continua até hoje dependurada, num cofre de vidro, no saguão de entrada do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de São Paulo (o mesmo prédio de 1942). Presidente Roosevelt tinha sequela de Poliomielite que adquiriu na juventude. Quando ainda moço foi operado nos Estados Unidos pelo Prof. Godoy Moreira que na época fazia lá um curso de especialização. Já era afamado nos meios ortopédicos no mundo inteiro. A bengala foi destroçada por vândalos (as más línguas incriminam formandos bêbedos da Faculdade) já há alguns anos, mas a pedido do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz da FMUSP a embaixada providenciou em São Paulo uma réplica para ficar no seu lugar. A placa de agradecimento, assinada pelo Presidente Roosevelt, continua lá.