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domingo, 30 de março de 2014

POR: CELINA CÔRTE PINHEIRO - CONVIVÊNCIA NO TRÂNSITO

Dra. Celina Côrte - Presidente da SOBRAMES-CE

 

Convivência no trânsito

Publicado no DN
23.03.2014

Andando-se a pé, mesmo em horário de pouco movimento no trânsito, observam-se infrações que identificam a falta de educação e o desprezo dos guiadores pela segurança dos pedestres.
Na travessia da rua, apesar do sinal verde para pedestres, quase fui colhida por um ciclista que trafegava na contramão na ciclovia.
Pouco antes, eu atravessara na faixa de pedestres desviando-me de uma motocicleta e um automóvel que ali se postavam de modo inadequado.
Demonstração cabal de comportamento ansioso e desrespeitoso!
Nas esquinas, motoristas afoitos dobram a esquina em alta velocidade, sem se dar conta de que um pedestre pode, naquele momento, estar atravessando a rua. Total indiferença aos princípios da direção defensiva. Os pedestres que se cuidem e sejam bastante ágeis para se defenderem de atropelamento.
O motorista nem notou quando optei prudentemente por interromper a travessia, já no meio da rua, para que ele pudesse passar. Se eu insistisse, seria fatalmente atropelada ou, no mínimo, xingada por não ter respeitado a autoridade do automóvel. Estes fatos, observados em alguns minutos de caminhada, denotam a insegurança dos pedestres nas ruas de Fortaleza.
Reconheço que alguns destes sequer sabem se portar diante da sinalização de trânsito. Acreditam que esta deva ser obedecida apenas pelos motorizados. Não é assim!
Os sinais de trânsito foram criados para regulamentar a movimentação de todos que se encontram nas ruas, motorizados ou não, de modo a assegurar uma saudável convivência. A questão do trânsito não permite exceções.
Todos têm responsabilidades. Contudo, nesta relação entre os diferentes personagens nas ruas, o pedestre é, sem dúvida, o mais vulnerável, devendo ser priorizado.
Infelizmente, ainda vige o sentimento de que o direito pessoal é soberano. Enquanto as pessoas não se dispuserem a respeitar os demais e a contribuir na redução da violência no trânsito, este será, a cada dia, mais agressivo.
O nível de conscientização de cada um tem ritmo próprio, todavia a educação continuada da população, no que se refere à mobilidade urbana, é imperativa, assim como a evolução dos meios de controle e punição dos faltosos.
Celina Côrte Pinheiro

quarta-feira, 26 de março de 2014

REUNIÃO DA ACADEMIA CEARENSE DE MEDICINA - PALESTRA DR. RONALDO MONT'ALVERNE


Hoje, 26 de março de 2014, às 15h30min, no Auditório  de Pró-Reitoria de Extensão da UFC, em Fortaleza-CE, aconteceu a palestra do acadêmico  Ronaldo Mont'Alverne cujo o tema foi: UNIDADES CORONARIANAS. Parabéns ao Dr. Ronaldo que nos encantou com sua maneira singular de transmitir seus amplos conhecimentos.


















segunda-feira, 24 de março de 2014

segunda-feira, 17 de março de 2014

POR: EDGARD STEFFEN - NÃO JOGUE A CRIANÇA FORA

Dr. Edgard Steffen

Não jogue a criança fora...

No Brasil, somos perdulários. Tomamos um ou mais banhos por dia. Cabral já notara que os primitivos habitantes de Pindorama banhavam-se muitas vezes nas águas dos rios e lagoas

"Don"t throw the baby out with the bath water"
(Não jogue fora o bebê junto com a água do banho)

* Edgard Steffen
A expressão idiomática inglesa serve para alertar apressadinhos: ações precipitadas podem resultar em besteira. Teria nascido com o costume medieval dos banhos familiares tomados em única tina. Ao chefe da família, o privilégio de ser o primeiro entrar na água quente. Depois, na mesma água, vinham os homens da casa, por ordem de idade; a seguir, também por ordem cronológica, as mulheres; por último, as crianças. A esta altura, a água estaria tão suja que se poderia "perder" um bebê dentro da tina.

Em alguns países da Europa, costume semelhante persiste até nossos dias. Jovem sorocabana foi para a Alemanha em programa de intercâmbio cultural. Na tarde em chegou ao lar hospedeiro, ofereceram-lhe banheira cheia de água tépida. Para combater o cansaço, consequente à longa viagem, tomou banho prolongado; como de hábito, retirou o tampão e esgotou a água. Ao sair sentiu certo ar de desaprovação; atribuiu as caras feias ao fato de haver demorado no banho. Somente entendeu o porquê no dia seguinte, quando o chefe da família iniciou a fila do banho, seguido pela esposa, pela filha; por último, sem esgotar a água, a banheira foi liberada para a hóspede..

No Brasil, somos perdulários. Tomamos um ou mais banhos por dia. Cabral já notara que os primitivos habitantes de Pindorama banhavam-se muitas vezes nas águas dos rios e lagoas. Cabral pode ter descoberto, mas, quem inventou o Brasil foi D. João VI. A ele devemos nossa identidade e existência como nação continental, sem a fragmentação da América Espanhola. Elevou-nos à condição de Reino (unido a Portugal e Algarves). Com a corte, trouxe artistas e naturalistas, criou o Banco do Brasil, a Imprensa Nacional, a Escola de Medicina, a Escola de Belas Artes, o Jardim Botânico e assinou o Alvará de Emancipação Industrial (antes desse documento, qualquer indústria era proibida na Colônia) e outras tantas coisas que a História registra. O que a História não registra é algum banho tomado pelo monarca, em toda sua estadia abaixo da linha do Equador. Consta que, em toda vida, nunca tomou um banho sequer de corpo inteiro.

No fim do século XIX e primeira metade do XX, com a imigração europeia, alguns hábitos dos países frios foram importados e absorvidos pela comunidade local. Quem veio para cá, substituir a mão de obra escrava ou fugir do desemprego europeu, era gente pobre oriunda de locais pouco favorecidos por saneamento e habitação. Essa deve ter sido a origem do banho semanal que vigorou até o fim dos anos 30. Sábado era dia de limpeza geral do corpo. Nos outros dias da semana, lavava-se o rosto pela manhã, e os pés antes de ir para a cama. Velho sanitarista estudou em badalado colégio interno privilégio dos ricos nos idos de 1923 a 27. No internato, o banho semanal era às quartas-feiras, às 6h30 da manhã, antes da missa obrigatória. A capital de São Paulo ainda era gélida e úmida terra da garoa. Não havia aquecimento central nem chuveiro elétrico. O banho era com água gelada. Alguns discípulos de "dãojoãovi" molhavam apenas os pés, os cabelos e saiam dos boxes enxugando-se para enganar os padres vigilantes.

Nas cortes europeias, no pós Idade Média, a higiene também não era lá essas coisas. O suntuoso Palácio de Versalhes com seus magníficos jardins, salões e salas não possuía coisa parecida com o que hoje chamamos toalete ou banheiro. Os dejetos, quando não depositados nos jardins, eram colhidos em vasos ou tinas e lançados em superfície nos arredores. As saias rodadas e sobrepostas das nobres damas não eram somente exigências da moda. Serviam para bloquear os odores das partes íntimas. A maioria dos casamentos era realizada em junho (início do verão) talvez para aproveitar o alívio proporcionado pelo primeiro banho do ano, tomado no mês de maio. O buquê das noivas teria nascido para disfarçar o odor.
Sempre pensei que lacaios abanando nobres, tal como se vê em filmes, fossem usados para espantar insetos. A razão maior da abanação era dissipar exalações de corpos que viam água muito de vez em quando.

* Edgard Steffen é médico pediatra e escreve semanalmente aos sábados neste espaço - edgard.steffen@gmail.com
Notícia publicada na edição de 28/09/13 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.

POR EDGARD STEFFEN - SUA MAJESTADE O SABIÁ



Dr. Edgar Steffen

Sua Majestade o Sabiá

É pássaro que canta a primavera, o amor e as coisas boas da vida. O canto dos sabiás costuma ocorrer durante a madrugada e antes do anoitecer

Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
(Canção do Exílio - Gonçalves Dias)

- Edgard Steffen
Em meio às notícias da semana, uma despertou minha atenção. Cidadãos protestam contra o canto dos sabiás nas madrugadas paulistas. Parece incrível que gente acostumada ao rumor do trânsito, ao ensurdecedor barulho dos bate-estacas e, talvez, aos decibéis dos festivais de rock e/ou música eletrônica, consiga perder o sono com o gorjeio de flauta da ave símbolo do Brasil. Outra estranheza esta alvissareira saber da existência de sabiás-laranjeira na selva de pedra que é São Paulo. Roubaram-lhes a mata, mas eles aprenderam a sobreviver no pouco verde que restou.

Sabiás eram comuns nos sítios e quintais onde brinquei. Também em locais onde fui pescar. No arvoredo em torno do rancho de pesca do Coxim (MS) foram contados 40 casais da espécie. Gostoso ouvir o canto majestático longe da sinfonia dos pardais da cidade grande. Resolvi dar uma espiada no mestre Von Ihering (Dicionário dos Animais do Brasil). Existiriam 14 espécies brasileiras, a maioria pertencente ao gênero Turdus. O laranjeira ou sabiá-piranga Turdus rufiventris é nosso melhor cantor e se caracteriza pela plumagem vermelho-ferrugem no peito e barriga.

Adoro os versos de Chico para música de Jobim: "Vou voltar / sei que ainda vou voltar (...) Ouvir cantar uma sabiá...". Se você pensou que Chico Buarque e Tom Jobim erraram ao chamá-lo "uma sabiá", saiba que, em vários estados do nordeste, o povo o conhece pelo feminino. Vou para a internet e vejo que nosso passarinho herói foi nomeado ave símbolo do Brasil no Governo FHC e fará parte da simbologia na Copa das Confederações de 2014. É pássaro que canta a primavera, o amor e as coisas boas da vida. O canto dos sabiás costuma ocorrer durante a madrugada e antes do anoitecer. Demarca território, atrai fêmeas e ajuda a fêmea-companheira a preparar a prole para a vida. Canta também para ensinar seus filhotes machos.

Consulto a coletânea de música brasileira coligida por meu amigo Moreira Filho* e encontro quatro delas que se referem ao nosso pássaro. Sabiá (Sinhô), Sabiá na gaiola (Hervê Cordovil), Sabiá laranjeira (Max Bulhões) e Sua Majestade, o Sabiá (Roberta Miranda). Deve existir mais. A minha preferida continua sendo a de Chico Buarque e Tom Jobim que venceu a favorita "Prá não dizer que não falei de flores" (FIC, 1968). Por falar na "Caminhando e cantando.." dos protestos contra os anos de chumbo, comparo: O trabalho "Durma com um barulho desse"** , muito bem feito e ilustrado, ocupa quase a página inteira do jornal. Bem diferente de outro que, no mesmo periódico, ficou num cantinho.

Pode ter passado despercebido por muita gente. Depoimento de torturado, revela que, nos porões da ditadura, tocavam músicas de Roberto Carlos bem alto para que vizinhos não ouvissem os gritos dos torturados.Também no Chile de Pinochet usavam discos de Roberto e de Julio Iglesias para o mesmo fim.

Algum alienado, que goste de ouvir música em altos decibéis, fazendo carro e vizinhos estremecerem com o volume de sua potente máquina de som, pode até pensar que tortura maior seria ouvir o Rei RC e Iglesias. Que o trinado de nosso pássaro-cantor não perturbe o sono de seus tímpanos endurecidos.

(*) Silva F°, A. M. da As canções que nós gostamos de cantar Edição própria, 2003
(**) Oliveira, R.- FSP 16/09/2013 pag. C4

- Edgard Steffen é médico pediatra e escreve semanalmente, aos sábados, neste espaço - e-mail: edgard.steffen@gmail.com
Notícia publicada na edição de 21/09/13 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.

sábado, 15 de março de 2014

POR: SEBASTIÃO DIÓGENES - SALVO PELA CEARAMOR



 
Dr. Sebastião Diógenes - Médico e Tesoureiro da Sobrames-CE
                                 

                                   Salvo pela Cearamor

            Os dois amigos não se viam havia alguns tempos. Encontraram-se, casualmente, na livraria. São bibliófilos. Chagas estava acompanhado da esposa, uma bonita mulher do segundo casamento. Apresentou-a ao amigo Ferraz.
            - Há quanto tempo não o vejo nos jogos do Vozão! – lamentou Ferraz.
            A mulher de Chagas não escondeu a surpresa, encarou o marido com um olhar inquiridor e ameaçador. Imediatamente, Ferraz percebeu a mancada que cometera e se antecipou:
            - Talvez porque, ultimamente, só tenha assistido aos jogos atrás do gol, no meio da Cearamor  – procurou, Ferraz,  justificar o desencontro nos estádios.
            - Você é um doido, Ferraz! – completou Chagas, aliviado. – No meio de torcida organizada, realmente, você não vai me ver nunca!
            As faces da mulher de Chagas abrandaram-se. Matrimônio sem falta, claro está! O marido daquele jeito, de bermuda, com a camisa do Ceará e o radinho de pilha ligado na verdinha, ora, ora, só poderia ser ocasião de futebol. Uma glória, essa invenção dos ingleses! Esse Ferraz só pode ser doido mesmo!
Sebastião Diógenes.
15/03/2014.

sexta-feira, 14 de março de 2014

JORNAL DO MÉDICO - CELINA CÔRTE - REELEITA PRESIDENTE DA SOBRAMES-CE

14 DE MARÇO - DIA NACIONAL DA POESIA

 
Castro Alves (1847-1871)
Hoje, 14 de março, comemoramos o Dia Nacional da Poesia. A data foi escolhida para homenagear Castro Alves, um dos maiores poetas brasileiros.
Antônio Frederico de Castro Alves nasceu na fazenda Cabeceiras, perto da vila de Nossa Senhora da Conceição de Curralinho (hoje, Castro Alves-Bahia), no dia 14 de março de 1847, e morreu em Salvador, no dia 6 de julho de 1871. Era filho de Antônio José Alves e Cléia Brasília Castro.
Em 1863, na flor da idade, foi acometido de tuberculose, doença que não tinha tratamento na época. Em 1866, tornou-se amante de Eugênia Câmara, uma atriz portuguesa, e faleceu aos 25 anos de idade, vítima do bacilo de Koch. 
Castro Alves foi entusiástico das grandes causas sociais, como abolição e escravatura.  Suas poesias mais conhecidas são marcadas pelo combate à escravidão. Por isso, é conhecido como "Poeta dos Escravos". Seu nome ficou perpetuado em nossa história e hoje, 14 de março de 2014, reverenciamos a sua memória com uma de suas poesias.


O Navio Negreiro
      Castro Alves
'Stamos em pleno mar
Era um sonho dantesco... o tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa dos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia
E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanaz!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?... Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!

São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...

São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também,
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos
Filhos e algemas nos braços,
N'alma lágrimas e fel.
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael...

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus...
...Adeus! ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores... adeus!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se eu deliro... ou se é verdade

Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no seu pranto...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!...
...Mas é infâmia demais...
Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!


quarta-feira, 12 de março de 2014

POR: FLÁVIO LEITÃO - A FELICIDADE


Dr. Flávio Leitão - Ex-presidente da Sobrames-CE


A Felicidade


“La felicidad consiste en ser un desgraciado que se sienta feliz. “.
Ramón Gómez de La Serna

Eu não sei porque a Irmã Valdetrudes instara, novamente, o Dr. Navígio a participar de suas atividades benemerentes.
Há muitos anos, quando ele, com muito orgulho e vaidade, era ainda estudante dos dois últimos anos da Faculdade de Medicina, ela o convencera, com relativa facilidade, a participar do Ambulatório das Irmãs de Caridade, destinado aos pobres do bairro.
Ali, ele atendia, como se médico fora, os incontáveis casos de verminose e desnutrição dos protegidos da Irmã Valdetrudes.
Era auxiliado por graciosas e coquetes mocinhas de famoso colégio da alta sociedade, que se travestiam de enfermeiras e se transformavam em copartícipes daquele exercício ilegal da medicina, muito embora fosse uma atividade humanitária, um meritório labor.
Àquela época, entendera o convite da Irmã como um sinal  da graça divina, pois há algum tempo pusera seu olhar num gracioso rosto, perfil helênico, sedutor, irresistivelmente gracioso.
 Para complementar a excelsitude de beleza de tão mimosa ninfa, possuia a mesma um corpo de deusa grega, que impressionava, não só pelo deslumbramento de harmoniosos seios como pela voluptuosidade de quadris cinzelados por magistral escultor. Ela fazia parte do valoroso corpo de “enfermagem” da Irmã Valdetrudes.
Por outro lado, a aceitação ao convite da prestimosa Irmã não deixava de ser um ato caritativo e altruístico dos mais elogiáveis, que o enchia de felicidade e que lhe aplacava um pouco o temor de condenação no juizo final.
Na realidade nada desse trabalho ele auferia, a não ser o agradecimento humilde e sincero de seus miseráveis clientes e uma duvidosa recompensa de namoro com a zelosa e solícita musa de seus sonhos.
É bom que se ressalte não ter sido o Dr. Navígio o primeiro a inventar esta moda de valer-se do véu de santa benemerência e do aparente amor ao próximo para obter vantagens celestiais.
É fato conhecido da História que o famoso navegador português - Cristóvão Colombo - encontrou a mulher com quem dividiria sua vida até o fim de seus dias, em piedosas e constantes idas à catedral de Sevilha.
E só para nos atermos a apenas dois nomes famosos da história da humanidade, refiro-me agora a Agostinho. O famoso bispo de Hipona, o filho predileto de Santa Mônica, também aproveitava-se do horário dedicado às suas compungidas preces nas igrejas romanas para, discretamente, procurar alguma misericordiosa virgem que lhe saciasse a sensualiade, a volúpia de seus sonhos.
O fato é que, passados mais de quarenta anos, o Dr. Navígio viu-se, no dizer do poeta, não mais que de repente, novamente, atendendo, a pedido da mesma Irmã Valdetrudes, pobres e desprotegidos cidadãos.
Tratava-se então de clientela constituida de sobrados da vida. Cerca de cento e cinquenta almas desnutridas, maltrapilhas, caquéticas, imundas, mal cheirosas, cronicamente famintas, desesperançosas, desmotivadas, dominadas pelos vícios mais degradantes que soem acometer os trapos humanos que perambulam, solitários, pelas ruas das grandes metrópoles.
 Eram estes os que faziam parte do programa que a irmã Valdetrudes, heróica e destemidamente criara, sob o pomposo e contundente nome de Projeto São Vicente de Paulo de Acolhimento aos  Moradores de Rua!
Não quero passar a ideia de que o Dr. Navígio fosse um elitista e que sua atenção aos pobres tenha se limitado ao tempo de acadêmico de medicina, comportamento comum à maioria de seus colegas de profissão.
Na verdade ele passou a vida inteira dispensando parte de sua atividade médica, ao atendimento despretencioso de pacientes no ambulatório da Faculdade de Medicina.
E para sermos fieis à verdade, Navígio nunca se recusara, a pedido de quem quer que fosse, a atender pessoa desvalida dispensando os devidos honorários, mesmo  sendo na sua conceituada clínica privada.
Vale salientar que sua clientela, no ambulatório da Faculdade de Medicina, embora constituida por infelizes criaturas, diferiam um pouco  das protegidas pelo atual programa da Irmã Valdetrudes, vez que tinham endereço, possuiam nome, ostentavam um CPF.
Alimentavam-se precariamente mas não chegavam à inanição. Tinham dificuldade de higiene – banheiro sem água encanada – mas de qualquer modo dispunham de uma tina d’agua de onde podiam retirar um caneco para molhar-lhes as partes e aliviar-lhes o calor do dia.
Não dispunham de sanitários porém, num canto de seus mal cuidados terrenos, tinham um buraco tosco ao rés do chão, protegido por duas táboas, que imitavam uma patente turca e cercado por velhas folhas de zinco, o que lhes proporcionavam uma certa privacidade, no momento de se aliviarem da incômoda carga de seus intestinos.
Enfim, eram pessoas que, eufemisticamente, os sociólogos classificam na qualidade de pertencentes à classe E, situados abaixo da linha de pobreza. Eram entes que estão a um passo de serem considerados aspirantes à cidadania e portanto úteis para a manipulação das estatísticas governamentais. 
Já no Projeto São Vicente de Paulo de Acolhimento aos Moradores de Rua, contudo, o quadro era outro. Diferentemente dos pacientes do ambulatório da Faculade, os da Irmã Valdetrudes diferiam, pelo sofrimento dantesco, chocante, deprimente, inaceitável, com que conviviam.
Vou dar-lhes um único exemplo para justificar porque o Dr. Navígio não conteve suas lágrimas, no dia em que voltou a atender ao caprichoso pedido da Irmã Valdetrudes.
O terceiro cliente daquele dia em que retornou às suas atividades filantrópicas e humanitárias foi uma mulher de rosto comum, transmitindo certo grau de displicência, de indiferença ou de estoicismo? Difícil concluir. Apesar dos trajes, tinha, paradoxalmente, um certo aspecto de nobreza no porte, de altivez, de estoicismo grego, de andar fidalgo.
Chamava-se Maria das Dores. Não conheceu pai, nem tão pouco mãe. Desconhecia a terra que a acolhera, ao  nascer. Tinha uma vaga ideia de que aos cinco anos fora doada à uma piedosa familia, da terra dos monolitos, que a criara numa versão moderna de escravagismo.
À noite, após os filhos da casa se divertirem, inocentemente,  amedrontando-a com a possibilidade do lobishomen vir carregá-la pela madrugada, era mandada para seu quarto, isolado nos fundos de um terreno destituido de iluminação.
 Sentia-se toda dominada pelo medo de ser visitada por seres de outro mundo, almas penadas que poderiam vir-lhe puxar os trapos que lhe serviam de lençol, numa concorrência sádica com o lobishomem.
Ficava horas a fio, até que o cansaço a dominasse ou o frio da madrugada a fustigasse, com o rostinho preso ao chão, observando por uma fresta da porta, com seus olhinhos marejados por amargas lágrimas, os passos aleatórios das pessoas da casa.
Aquela visão ligava a infeliz criaturinha ao mundo real, afastando-a do risco de ser abduzida por um ente extraterreno ou mesmo pelo temível lobishomem.
Nenhum fato auspicioso fora  registrado pelo seu cérebro, em toda sua vida.
Lembrava-se apenas que sempre apanhara. Nunca soube o motivo da agressão. Ficara nitida, contudo, a lembrança dos socos, das palmadas, dos puxavões de cabelo, dos cocorotes, das torções de orelha, dos chutes, dos palavrões, da bestialidade humana, sempre culpada, sempre sofrida, sempre acusada, sem vislumbre de perdão.
Terminou por, num esforço heroico, fugir de Quixadá, vindo para Fortaleza ainda adolescente, preferindo passar a  noite na rua a ter que ficar agrilhoada aos maus tratos dos bondosos padrinhos do interior e das sorridentes crianças da casa grande.
          Sofreu a violência ignominiosa do estupro, teve dois maridos, dois brutos, dois autômatos, sem alma, sem coração, sem sentimento. Cada um deles vomitou-lhe no útero a lascívia de seu gozo e fez-lhe um filho.
Apesar de tudo manteve-se pura, diria, imaculada. Não se prostituiu, pois mantinha no concubinato, fidelidade sincera e toda conjunção carnal que acaso viesse a ter fôra, motivada por uma admiração irresistível ao homem que a possuia, um amor primitivo e espontâneo, expressão legítima de sua paixão.
          Doou o primeiro filho, mas não se atreveu a separar-se do segundo.
Tentou dar amor ao caçula, mas a rua terminou por diplomá-lo no reino das drogas.
          Uma amiga de infortúnio ofereceu-lhe um quarto para dormir. Negou-se a aceitar, pois o filho furtar-lhe-ia tudo para trocar por droga.
A Prefeitura acenou-lhe com a possibilidade de uma casa, num conjunto habitacional, longe do centro de Fortaleza. Também não viu como conciliar a distante moradia com a constante vigilância ao filho drogado. Continuou dormindo nos bancos das praças, debaixo das marquises dos velhos prédios do centro.
Quando o sono e o cansaço a dominavam, para fugir do incômodo da perseguição de homens ávidos por momentos de orgia, feras no cio, farejando o gozo da carne, procurava, sempre que possível, uma farmácia que tivesse um segurança de alguma empresa. Alí, então, dormia, sob a falsa impressão de estar protegida dos enxeridos.
A maioria das noites passava-as insone, espreitando o filho, vigiando-o, furtivamente, pois temia que outros moradores de rua o agredissem no momento de suas desorientações e desatinos, provocados pelo efeito alucinógeno e deletério do vício.
O Dr. Navígio viu-a numa manhã, depois de uma noite indormida.
Mesmo sem carteira de identidade, sem CPF, sem moradia, julgava-se feliz.
Fundamentava esta incongruente felicidade na ajuda que prestava na cozinha do famoso Projeto São Vicente de Paulo de Acolhimento aos  Moradores de Rua.
Ali preparava a macarronada para os cento e cinquenta companheiros de infortúnio, na certeza de que ao meio dia teria também o seu almoço.
Comprazia-se com a certeza de que teria uma palavra amiga da Irmã Valdetrudes, que, solícita, tocar-lhe-ia o sujo ombro e dir-lhe-ia, com um sorriso franco, uma palavra de carinho.
Enchia-se de infantil satisfação por poder utilizar o banheiro para lavar seus trapos, na certeza de ver-se livre do lodo que lhe cobria as carnes ressequidas com um banho de chuveiro que o programa lhe proporcionava.
 Renovava-se na antevisão de que  descansaria, por alguns minutos, numa cadeira, recuperando forças para mais uma noite, insone, longa, solitária, pastoreando, nas sombras frias da madrugada, o filho drogado, razão única de seu viver . Por tudo isto julgava-se feliz…
Murmúrios Literários Ant. Sobrames-Ce 2012 (pag.99-104)